SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Quarenta e três vencedores do prêmio Nobel divulgam nesta segunda-feira (22) uma carta em defesa da democracia, do multilateralismo, da liberdade acadêmica, de expressão e de imprensa, em meio à escalada autoritária do governo Trump nos Estados Unidos.

Na carta, obtida pela Folha de S.Paulo, os laureados declaram apoio à cúpula Democracia Sempre, idealizada por Brasil e Espanha para debater a ascensão de movimentos extremistas no mundo, desigualdade de renda e a disseminação da desinformação. Entre os signatários estão Maria Ressa, Joseph Stiglitz, Oscar Arias, Shirin Ebadi, Wole Soyinka, J. M. Coetzee, Annie Ernaux, Daron Acemoglu.

“Como laureados com o Prêmio Nobel, elogiamos os líderes que participam da iniciativa Democracia Sempre por seu firme compromisso com a razão e por entenderem que, apesar das diferentes visões de mundo de seus membros, os fatos não podem ser inventados. Também respeitamos seu firme compromisso com a paz, com o respeito ao direito internacional e ao direito internacional humanitário”, dizem os signatários.

O grupo teve seu primeiro encontro às margens da Assembleia-Geral da ONU do ano passado, liderado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o líder espanhol, Pedro Sánchez. Os EUA participaram da reunião do ano passado. Neste ano, no entanto, os americanos não estão entre os cerca de 30 convidados, por decisão dos organizadores —Brasil, Espanha, Uruguai, Colômbia e Chile. Nações como Alemanha, Canadá, França, México, Noruega, Quênia, Senegal e Timor Leste estão na lista.

A percepção no governo do Brasil era que não existem condições para a participação de um país que teve uma virada extremista e cujo governo está questionando a democracia e as eleições brasileiras.

“Vivemos em tempos sombrios, com a liberdade acadêmica e de imprensa sob ataque e o Estado de Direito sendo solapado em muitos lugares do mundo”, disse à Folha de S.Paulo Joseph Stiglitz, vencedor do prêmio Nobel de Economia.

“A iniciativa Democracia Sempre demonstra comprometimento com o que é necessário para apoiar nossas democracias, como a luta contra a desigualdade e a defesa de um ecossistema online de informação de qualidade.”

Os laureados enfatizaram a importância da liberdade de imprensa e de expressão, sem mencionar nenhum governo específico. Nos últimos meses, o presidente Donald Trump cortou recursos de universidades e deportou estudantes, acusando-os de antissemitismo. Trump tem pressionado e processado TVs e jornais que fazem cobertura crítica contra ele. Recentemente, após ameaças de Trump e da Comissão Federal de Comunicações, os âncoras Stephen Colbert e Jimmy Kimmel tiveram seus programas descontinuados.

“Estamos especialmente preocupados com o ‘chilling effect’ [efeito inibidor, pressões que levam à autocensura] sobre a imprensa livre, a liberdade de expressão e a liberdade acadêmica que têm ocorrido em muitos países, assim como com a intimidação por meio de processos por difamação contra jornalistas em todo o mundo; além disso, há um imenso poder de amplificação da desinformação e da informação de má qualidade, cedido às plataformas tecnológicas e agora às empresas de inteligência artificial generativa”, diz a carta.

Neste ano, um dos primeiros atos do governo Trump foi a assinatura de um decreto proibindo o combate à desinformação, que o americano classifica de censura. Trump também se opõe a regulação das big techs e ameaça retaliações contra países como os da União Europeia, que adotaram novas leis para inibir a desinformação.

“Em momento em que a ONU precisa se reinventar para um mundo mais rápido e impulsionado pela tecnologia, é muito importante que o sul global esteja liderando uma iniciativa multilateral focada na democracia e na integridade da informação”, disse à Folha de S.Paulo Maria Ressa, uma das signatárias.

“Foco na integridade da informação é a mãe de todas as batalhas, que começa com a liberdade de expressão e o papel que as big techs estão desempenhando no desvirtuamento do nosso ecossistema de informações. Como as Filipinas, o Brasil passou do inferno para o purgatório; nossos países sabem como a desinformação e as mentiras potencializadas pela tecnologia matam a democracia.”