SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Nunca antes na história o FBI esteve tão instrumentalizado pelo governo quanto agora, afirmam críticos da gestão de Donald Trump. A guinada radical nas diretrizes da polícia federal dos Estados Unidos ocorre sob o comando de Kash Patel, 45, apoiador ferrenho do presidente americano e que assumiu o cargo de diretor em fevereiro justamente com a promessa de combater o uso político do órgão.
Envolto em polêmicas, contudo, Patel já balança no posto, de acordo com a imprensa americana. Não são poucas as controvérsias nos últimos meses relacionadas à agência, cuja tradição de autonomia tem sido colocada em xeque. O diretor é acusado de promover expurgos a mando de Trump. Também tem sido alvo de duras críticas por ter cometido um erro após o assassinato do ativista conservador Charlie Kirk e por seu posicionamento no caso do financista Jeffrey Epstein, dois temas caros à base trumpista.
Horas após a morte de Kirk, baleado no pescoço durante um debate em uma universidade de Utah, no último dia 10, Patel anunciou aos quase 2 milhões de seguidores na plataforma X que o responsável havia sido capturado. Alarme falso: o FBI esclareceu logo depois que, na verdade, duas pessoas tinham sido interrogadas e liberadas. O suspeito, Tyler Robinson, só foi detido no dia seguinte.
O erro, de acordo com a oposição ao trumpismo, configurou uma violação grave dos protocolos básicos de investigação que coloca em risco a credibilidade do FBI. Também provocou constrangimentos ao governo. Ao comentar o assassinato, o governador de Utah, o republicano Spencer Cox, disse que as redes sociais são um câncer na sociedade atual. Ao seu lado estava Patel, com expressão impassível.
Para alguns, a declaração de Cox foi uma crítica pouco velada ao modus operandi de Patel, muito mais ativo nas redes do que os antecessores, cujas mensagens eram contidas e enxutas, e ávido por publicar os desdobramentos dos casos policiais. O erro no caso Kirk, segundo a emissora Fox News, teria irritado a secretária de Justiça, Pam Bondi, e o diretor do FBI teria sido orientado por um funcionário próximo ao presidente a limitar a sua atuação na internet.
Dois dias depois, após Trump anunciar a captura de Robinson, o governador Cox respondeu a questionamentos de jornalistas. Ainda segundo a Fox News, havia a preocupação, no governo, de que Kash poderia “falar demais e atrapalhar” a investigação caso fosse deslocado para a entrevista coletiva.
Ao menos por enquanto, Trump tem manifestado respaldo ao trabalho de Patel. O diretor foi escolhido a dedo pelo presidente. Filho de imigrantes indianos, ele é advogado e foi assessor no Comitê de Inteligência da Câmara em 2017, quando, em plena investigação sobre a interferência russa nas eleições do ano anterior, tornou-se um dos rostos mais combativos contra o chamado “estado profundo”, expressão usada pela direita para acusar órgãos de segurança de conspirar contra o republicano.
Patel também manifestou, no passado, apoio aos invasores do Capitólio, que tentaram reverter à força a derrota de Trump para o democrata Joe Biden em 2020. Ele chegou a se referir aos policiais que investigaram o republicano, acusado de insuflar a turba, como “gângsteres criminosos”. Em um livro publicado em 2022, ainda compilou uma “lista inimiga” de políticos e burocratas de Washington.
Não à toa, Patel enfrentou forte resistência durante sua sabatina no Congresso para assumir o comando do FBI. No Senado, em que os republicanos detêm a maioria, sua aprovação veio por uma margem apertada: 51 votos a favor e 49 contra. O resultado contrastou com as três nomeações anteriores para o mesmo cargo, todas aprovadas por ampla maioria, com pelo menos 90 votos favoráveis.
À frente do FBI, Patel se esforça para alinhar o órgão a Trump e sua agenda. Sob seu comando, a agência fez um expurgo de funcionários que trabalhavam em casos penais relacionados ao presidente ou que eram percebidos como desleais a ele, incluindo pessoas experientes no combate a ameaças à segurança.
No mesmo dia em que o influenciador Kirk foi baleado, três altos funcionários entraram com ação judicial contra Patel, dizendo terem sido alvos de uma “campanha de represálias” por não demonstrarem “lealdade política suficiente”. Para críticos, a demissão deles representou um dos casos mais evidentes de como Trump transformou a polícia em ferramenta política contra adversários.
Na denúncia, os ex-funcionários citam um episódio em que Patel teria dito que recebera ordens da Casa Branca para demitir qualquer agente envolvido em investigações sobre Trump. A ação retrata Patel de forma quase caricatural, descrevendo-o como alguém mais preocupado em alimentar suas redes sociais do que em coordenar o dia a dia da principal agência de segurança do país.
Já desgastado, Patel recentemente entrou em rota de colisão até mesmo com apoiadores do trumpismo. No último dia 16, disse que não havia “informações confiáveis” nos arquivos da polícia que indicariam tráfico de mulheres por Jeffrey Epstein, empresário acusado de abuso sexual de menores.
As declarações ocorreram no momento em que apoiadores de Trump, muitos deles obcecados pelo caso há anos, criticam o governo. Isso porque aliados radicais do republicano, incluindo Patel, descumpriram a promessa de divulgar uma suposta lista de clientes do empresário, caso chegassem ao poder.
Sob pressão, Patel foi convocado para esclarecer as polêmicas em audiências no Congresso na última semana. Diante dos parlamentares, negou as acusações feitas por senadores democratas de que as demissões de agentes de alto escalão do FBI teriam sido motivadas por razões políticas.
Confrontado sobre o erro no caso Kirk, Patel fez mea-culpa ao dizer que poderia ter se expressado melhor, mas disse não se arrepender da publicação. Ainda reiterou a sua permanência no posto, apesar de críticas. “Não vou a lugar nenhum”, afirmou.
Já os democratas buscaram reforçar a imagem de desorganização e falta de competência no FBI. Dick Durbin, senador por Illinois, descreveu Patel como o “diretor do FBI mais partidário de todos os tempos” e o acusou de supervisionar uma “fuga de cérebros desastrosa” na agência desde que assumiu o cargo.