SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Enquanto nos Estados Unidos a Black Friday costuma ser usada pelos varejistas para desovar estoques antes do Natal, no Brasil, a data pegou de um jeito diferente.
Os brasileiros preferem antecipar as compras de Natal na última sexta-feira de novembro para aproveitar os descontos, já usando a primeira parcela do 13º salário, e deixar só lembrancinhas de última hora para dezembro, além dos tradicionais itens para a ceia.
Neste ano, os varejistas brasileiros estão dispostos a investir menos em propaganda em torno da Black Friday. A ideia é colocar menos produtos em promoção e dedicar esforço maior para as vendas de Natal, onde dão menos descontos e, portanto, obtêm maior margem de lucro.
A análise é de Daniel Sakamoto, gerente executivo da CNDL (Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas) e um dos responsáveis pela pesquisa da entidade sobre as contratações do varejo para o fim do ano.
Essa lógica não vale, porém, para produtos de tecnologia e eletrônicos, uma das principais categorias oferecidas na Black Friday e que vão continuar tendo na data o seu pico de vendas anual, afirma.
“Muitos varejistas dizem que vão tirar um pouco da força de mídia da data, para dar maior foco ao Natal, onde conseguem uma margem melhor”, diz o executivo, ressaltando que não se trata de apagar a Black Friday do calendário promocional apenas adaptar a estratégia para que a última sexta-feira de novembro não “mate” as vendas de dezembro, como tem acontecido nos últimos anos.
“Até os pequenos e médios varejistas acabam entrando [nas promoções], porque os grandes fazem. Tem Black Friday para tudo”, diz. Há alguns anos, porém, o varejo percebeu que a estratégia da Black Friday no Brasil está equivocada, mas agora a preocupação com a margem aumentou, afirma.
“Com o avanço dos grandes marketplaces e concorrentes asiáticos, o varejo nacional está operando com margens muito pequenas. Todas as grandes varejistas estão alavancadas, com empréstimos e financiamentos que pagam altas taxas de juros. Se você trabalha com promoção o tempo todo para conseguir vender, no fim do dia, sobra pouco dinheiro em caixa. Não vale brigar por preço para vender muito na Black Friday e pouco no Natal.”
A regra é diferente para os marketplaces, que operam com margem menor até porque não fazem estoque dos produtos e vendem grandes volumes, especialmente itens de tecnologia, e apostam muito na data, diz Sakamoto.
Os próprios consumidores, porém, já não se mostram tão entusiasmados com a Black Friday como nos primeiros anos da década de 2010, quando a data se tornou popular no Brasil. Como já apontaram reportagens da Folha de S.Paulo, os descontos já não são tão atraentes e alguns itens até sobem de preço.
O tema é tabu para os varejistas. Como o público aderiu à Black Friday, ninguém quer assumir que a data não compensa financeiramente e que vai diminuir o ritmo, com medo de perder consumidor para a concorrência.
Mas o diretor de uma rede de supermercados de médio porte em São Paulo afirmou à reportagem que já não tem interesse em promover a Black Friday neste ano porque as vendas não estão compensando a redução de margem.
Já a executiva de uma fabricante de eletrodomésticos informou à reportagem, em condição de anonimato, que os varejistas estão bastante estocados e não compraram muito para a Black Friday. A indústria costuma apoiar o varejo em ações promocionais.
“Seguiremos exatamente como nos anos anteriores, com uma atuação forte em todas as categorias. Essa é uma data muito importante, porque oferece ao cliente a oportunidade de economizar e comprar desde itens do dia a dia como fraldas, café e bebidas até presentes, brinquedos e eletroeletrônicos”, afirmou, em nota, Marco Alcolezi, diretor de operações do Carrefour, para os formatos hiper, super e e xpress.
INCERTEZAS PESAM PARA 2026
Independentemente da divisão de pesos entre Black Friday e Natal, os varejistas em geral esperam um fim de ano animador, diz Daniel Sakamoto. “Há muitas compras que foram represadas ao longo do ano, tendo em vista o clima de incertezas, mas a tendência é que o consumidor aproveite o último trimestre em busca de promoções.”
Por conta disso, o varejo nacional está abrindo 118 mil vagas para o fim do ano, de acordo com a pesquisa da CNDL e do SPC Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito) feita por telefone junto a 533 empresas de diferentes portes e de todas as regiões do país entre 23 de junho e 16 de julho. A margem de erro é de 4,2% para mais e para menos e o intervalo de confiança é de 95%.
Nas 118 mil vagas, estão oportunidades de trabalho temporário, efetivo, informal e terceirizado. O total representa um aumento de 7,3% em relação às 100 mil vagas abertas no mesmo período do ano passado.
Existem indicadores positivos no cenário macroeconômico que favorecem as boas expectativas para o último trimestre, como o menor índice de desemprego desde 2012, de 5,6% para o trimestre encerrado em julho, segundo a Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE.
Também a taxa Selic parou de subir e, embora estacionada em um nível alto (15%), pode vir a cair até o começo do ano que vem, diz Sakamoto.
Do total de empresários entrevistas, 59% afirmaram que não vão contratar para o fim do ano, um patamar que se mantém o mesmo dos últimos anos. Neste ano, porém, o clima de incerteza está maior. “Não sabemos se o cenário macroeconômico vai continuar positivo em 2026, que será mais um ano eleitoral de disputa acirrada”, diz.
Entre os que não vão contratar, 32% citaram como motivo a “instabilidade econômica”. Na pesquisa de 2024, essa resposta havia sido dada por 12% dos entrevistados.
“Boas notícias geram consumo. Até o fim do ano, as expectativas são positivas. Mas o varejista investe quando percebe que o consumidor está disposto a gastar. Se o público temer pelo futuro do seu emprego ou dos seus negócios, vai gastar menos ou deixar de comprar”