RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Chico Buarque de Hollanda e Caetano Veloso caminharam lado a lado pela Cinelândia no dia 28 de junho de 1968, data da Passeata dos Cem Mil, a maior mobilização de rua contra a ditadura militar. Gilberto Gil ia mais atrás, com estudantes, e depois os encontrou.

As categorias profissionais andaram em blocos naquela passeata pelo centro do Rio de Janeiro. A turma dos artistas tinha Paulinho da Viola à frente, com uma faixa “músicos querem liberdade de expressão”.

Passados 57 anos e várias crises brasileiras, eles se reuniram neste domingo (21). Chico, Caetano, Gil e Paulinho, desta vez em Copacabana, foram as estrelas da manifestação contra a PEC da Blindagem e a urgência para o projeto de anistia aos envolvidos nos ataques aos Três Poderes de 8 de janeiro.

“Nós aqui já passamos por momentos parecidos, sempre em busca da autonomia cada vez maior do nosso povo. Esse é um momento que estamos fazendo de novo essa exigência”, disse Gil.

A grande diferença é que em 1968 eles estavam no chão, e em 2025, conduziram o ato em cima do palco. Os novos estudantes, novos artistas e demais novas categorias profissionais é que ficaram lá embaixo, os saudando.

Ivan Lins, Paulinho da Viola, Frejat, Lenine, Geraldo Azevedo, Jorge Vercillo, Maria Gadu, Marina Sena e o conjunto Os Garotin também cantaram em Copacabana. Em paralelo, nomes como Wagner Moura, Daniela Mercury, Chico César e Fernanda Takai participaram de protestos pelo país, em capitais como Salvador, Brasília e Belo Horizonte.

A capacidade desses artistas de dar capilaridade a campanhas e pautas atravessou décadas. Em 1985, Chico, Caetano e Gil, este o grande capitão da iniciativa, lançaram o “Nordeste Já”, reunião musical de artistas da MPB para ajudar, com lançamento de um disco, os flagelados do Nordeste.

Em 1989, Chico Buarque, Gil e Djavan, que também esteve no ato deste domingo, gravaram o jingle de Lula (PT), o famoso “Lula Lá”, para as eleições de 1989.

Em 2016, Caetano e Chico cantaram em dias diferentes no Ocupa MinC, um protesto contra a extinção, depois reconsiderada, do Ministério da Cultura por parte do então presidente Michel Temer. Em 2018, Chico e Gil cantaram “Cálice” durante a prisão de Lula.

O ato deste domingo teve forte tom de festival. Soou como homenagem às canções de protesto do Brasil. Ivan Lins citou o amigo Gonzaguinha, Frejat lembrou o amigo Cazuza, e cada um dos artistas rememorou canções que embalaram manifestações —ou somente desgostos— de suas épocas.

Os artistas mais jovens escolheram clássicos da MPB com recados sociais. Maria Gadú abriu a tarde com “Como Nossos Pais”, o conjunto Os Garotin cantou “Olhos Coloridos”, e Marina Sena interpretou “Brasil”.

Caetano foi o condutor do ato —e Paula Lavigne, sua mulher, uma das organizadoras. Ele cantou “Podres Poderes”, “Gente”, “Um Índio” e “Alegria, Alegria”. Depois “Sina”, com Djavan. Gilberto Gil cantou “Aquele Abraço” enquanto Chico Buarque subia no palco. Chico e Gil cantaram “Cálice” juntos.

Cada um dos artistas lançou mão de dois ou três de seus sucessos. Perto da grade parte, o público pedia músicas. “Canta Oceano!” e “Açaí! Açaí!” foram recados enviados para Djavan.

A tarde caía e o público parecia esmorecer quando Lenine mandou um dos recados mais fortes do domingo. “Temos que reverberar nossa soberania. Nenhum país estrangeiro vai meter o bedelho aqui”, disse.

Ele entregou a Frejat, que deu energia fresca ao ato com “Ideologia” e “Pro Dia Nascer Feliz”. Lembrou do Rock in Rio de 1985 e da esperança com a posse jamais confirmada de Tancredo Neves, e disse que o público, neste domingo, fazia o que o Congresso mais teme, que é ocupar as ruas.

“Eles propuseram anistia e esta PEC da Blindagem, que é a maior cara de pau que a gente já viu na história. Mas estamos aqui para dizer não.”

Com coro de todos os artistas juntos, ato terminou com “Odara”, de Caetano, e “É Hoje”, samba da União da Ilha de 1982, um clássico dos fins de festa.