SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O sistema Cantareira, que distribui água para cerca de 9 milhões de pessoas, quase metade da população da Grande São Paulo, atingiu um índice preocupante. São 29,5% do seu volume total preenchido, o mais baixo para o mês de setembro em dez anos.

A baixa conjura fantasmas da crise hídrica que assombrou a região na década passada, a pior da história da Cantareira. O déficit de chuvas, somado à falta de planejamento e a obras atrasadas para novos mananciais, levou o reservatório a um cenário crítico, com necessidade de operar com o chamado volume morto —reserva de água que fica abaixo da captação das represas e precisa ser bombeada de lá.

Ainda não é preciso apertar o botão do pânico, segundo especialistas. Mas é bom acender o alerta.

“Quando chegar em 20% desse volume útil, então é um regime especial”, diz Humberto Rocha, professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da USP. Por ora, contudo, “não há risco de desabastecimento”.

Rocha lembra que a empresa responsável pela distribuição de água no estado já antecipou movimentos para lidar com uma possível crise. A Sabesp anunciou na semana passada que vai ampliar de oito para dez horas por dia, a partir desta segunda (22), o tempo da redução da pressão noturna de água na região metropolitana.

Na prática, significa que a força com que a água é empurrada pela rede será diminuída das 19h às 5h. Consequências possíveis envolvem lentidão para encher caixas d’água e, em casos mais extremos, até mesmo a falta de água durante noite e madrugada em algumas residências.

“A medida é preventiva e de contingência temporária com a finalidade de preservar os níveis de água dos reservatórios e mananciais que abastecem a região”, diz em nota a Sabesp.

Ainda assim, o risco de desabastecimento não é descartado por Rocha. “O que nos aguarda agora é notar como vão ser os próximos meses de chuva, em especial até dezembro, para termos uma noção exata do que vai acontecer.”

Professor da Área de Hidrologia e Gestão de Recursos Hídricos na Unicamp, Antonio Carlos Zuffo explica que os reservatórios da Cantareira “foram projetados para regularizar as vazões”, prevendo de três a quatro anos seguidos de pouca chuva. Como se fossem uma poupança de água, preparada para aguentar uma estiagem prolongada sem deixar a torneira das cidades secar.

O volume útil, hoje abaixo dos 30%, é a parte do reservatório que pode ser usada sem recorrer ao chamado “volume morto”.

“É normal que esses volumes diminuam com a ocorrência de anos secos consecutivos, que é o que está acontecendo: 2024 foi mais seco, e 2025, até o momento, está sendo ainda mais. A recomposição dos volumes no final do verão deste ano foi de apenas 15%. Até o momento, foram consumidos 30%, o dobro do acumulado entre 20 de dezembro de 2024 e 21 de setembro de 2025.”

A entrada na primavera, que começa nesta segunda, sinaliza um período chuvoso. “Mas isso não significa o início da recomposição dos volumes, a exemplo do ano passado, em que os volumes diminuíram até meados de dezembro”, afirma Zuffo. “A recuperação mais uma vez dependerá de quanto choverá até o final do verão em 2026.”

A situação escancara velhas lacunas do sistema hídrico. “Infelizmente, nossos índices de perdas físicas nas redes de distribuição de água no Brasil são muito altos, porque as redes são muito antigas e não temos uma taxa de substituição muito alta”, diz o docente da Unicamp.

A taxa de substituição de tubulações no país é inferior a 0,5% ao ano, quando o ideal seria ao menos o dobro, segundo Zuffo. Gastamos energia para captar, tratar e bombear água que nunca chega a ser consumida.