RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Na entrada, o visitante é recebido pelo sorriso de Luiz Gonzaga, em estátua de tamanho real. Bastam alguns passos para que o som da sanfona se misture ao cheiro da carne de sol com macaxeira e à voz animada de quem arrisca uma canção no karaokê. É esse caldeirão de cultura, cores e sabores que faz a Feira de São Cristóvão, na zona norte do Rio, um dos principais pontos de encontro da tradição nordestina fora do Nordeste há 80 anos.
Com cerca de 700 barracas, o espaço reúne restaurantes, bares e lojas de artesanato, roupas, cachaças e produtos típicos. Nos fins de semana, os corredores fervem de gente: famílias, turistas, casais e grupos de amigos que circulam entre baiões de dois, buchadas, tapiocas, bordados e redes.
A feira nasceu nos anos 1940, quando migrantes nordestinos chegavam ao Rio em paus-de-arara, muitos deles para trabalhar na construção civil. O Campo de São Cristóvão, ponto final dos caminhões, virou lugar de reencontros, notícias de familiares e de festas improvisadas ao som da sanfona, zabumba e triângulo.
Vindo de Guarabira (PB), aos 15 anos, Edvando de Freitas Costa, que começou vendendo produtos em um tabuleiro, lembra: “Naquela época a gente dormia nas carrocerias dos caminhões, prendia as barracas no chão para o vento não levar e, quando chovia, subia em caixotes para escapar da água no joelho. Era difícil, mas sempre havia alegria. Aqui o nordestino se sentia em casa”, afirma.
Três décadas depois, hoje aos 45, ele é conhecido como Vando da Feira e mantém, com a esposa e os dois filhos, uma loja de mercearia e laticínios. “Começamos com um tabuleiro de dois metros por um. Hoje temos uma loja de dois andares”, diz o feirante, que vende produtos típicos como queijo coalho, goma de tapioca, rapadura e castanha de caju.
Para ele, a feira é mais do que sustento: “É o que traz sentido para mim, porque aqui represento meu povo e faço com que outras pessoas conheçam a cultura nordestina”, diz Vando, dono da Barraca Guarabira.
A história de Chiquita também se confunde com a da feira. Francisca Alda Hortência Dias chegou ao Rio aos 16 anos, do sertão do Ceará, e construiu uma trajetória de 46 anos no espaço. Hoje, sua barraca funciona como restaurante e ponto de encontro cultural, com oficinas de xilogravura, cordel e elementos da vida sertaneja. “É um museu vivo”, define Chiquita.
Segundo ela, a feira foi mais do que um ponto de trabalho, foi sua “mãe”, dando amigos, trabalho e a oportunidade de empreender: “Tenho orgulho de ser eu e de passar o que sei para as pessoas”.
Com o passar das décadas, o espaço cresceu e se firmou como referência cultural para os cerca de 1,5 milhão de nordestinos que hoje vivem no estado, segundo o IBGE.
Em 2003, a feira ganhou nova fase ao ser transferida para o Pavilhão de São Cristóvão, prédio modernista projetado pelo arquiteto Sérgio Bernardes e reformado pela prefeitura, responsável pelo local.
Além da estrutura, recebeu uma homenagem simbólica: as ruas internas foram batizadas com os nomes dos nove estados do Nordeste. Com uma variedade de barracas de artesanato, roupas e acessórios, os corredores são um convite ao talento e a criatividade do povo nordestino.
A experiência cultural se espalha pelos dois palcos principais da feira –João do Vale e Jackson do Pandeiro– e pelas praças temáticas. São bandas de forró, trios de sanfona, repentistas e cordelistas que se revezam, enquanto o público dança ou disputa o microfone dos karaokês.
Entre uma música e outra, o público explora o Memorial do Nordeste, que guarda objetos e registros da migração nordestina para o Rio. Foi em 2 de setembro que esse encontro ganhou forma, data que marca oficialmente o aniversário da feira. Este ano, as oito décadas de história são celebradas neste fim de semana, com shows e homenagens.
A programação de aniversário teve início nesta sexta-feira (19), com parabéns, corte de bolo e a apresentação de Elba Ramalho, madrinha da feira. A comissão de feirantes foi homenageada com a Medalha Pedro Ernesto, maior honraria da Câmara Municipal do Rio.
Neste sábado (20), foi a vez do padrinho Fagner comandar a festa. O encerramento acontece neste domingo (21), com shows de trios, bandas grupos e repentistas.
SERVIÇO:
Endereço: Campo de São Cristóvão, s/n – São Cristóvão, zona norte do Rio de Janeiro
Funcionamento: de terça a quinta-feira, das 10h às 18h (exceto feriados); sextas e sábados, das 10h às 04h (da manhã); domingos, de 10h às 20h; segundas: fechado.
Ingressos: R$ 5 (menores de 12 anos e maiores de 60 não pagam)
Estacionamento: R$ 20