BELÉM, PA (FOLHAPRESS) – Ivete Sangalo cantou Joelma, discursou em favor da floresta amazônica e dos povos indígenas e estreitou os laços com o Pará em show gratuito na noite deste sábado (20), no estádio Mangueirão. “Gosto de estar aqui porque vocês são diferentes. Tem mais de 30 anos que venho e toda vez é esse calor, essa gostosura”, disse na apresentação. “A melhor, não sei se sou, mas sou a de vocês –e está bom demais.”

A baiana foi ovacionada e promoveu um verdadeiro Carnaval no Mangueirão, mais ainda depois que cantou “Voando Pro Pará”, hit da ex-vocalista do Calypso que se tornou uma espécie de hino não oficial de Belém. O show teve rodinhas de bate-cabeça, declarações de amor da cantora e da plateia, trenzinhos humanos, muita dança e suor por parte dos paraenses.

Ivete foi a principal atração do evento “Amazônia Live – Hoje e Sempre” no maior estádio de Belém, que também recebeu Viviane Batidão, a rainha do tecnomelody, o grupo Lambateria com Lia Sophia e a Orquestra Jovem Vale Música. Foi a segunda ação dos festivais Rock in Rio e The Town na cidade nesta semana –a primeira foi um especial de TV gravado na quarta (17).

No primeiro evento, Mariah Carey e divas paraenses –Dona Onete, Joelma, Gaby Amarantos e Zaynara– foram gravadas e transmitidas cantando em cima de um palco flutuante em formato de vitória-régia no rio Guamá. Realizados com o intuito de gerar conscientização em relação à preservação da Amazônia ao redor do mundo, os shows foram fechados para o público local, com a presença de cerca de 300 convidados numa balsa.

Ao longo da semana, o “Amazônia Live” recebeu críticas da população local porque não foi aberto ao público. Os shows de sábado no Mangueirão, que não foram gravados para a TV, foram a oportunidade para os paraenses de ter acesso às ações de Rock in Rio e The Town, tendo a Vale como principal patrocinadora, em defesa da Amazônia.

Ivete falou sobre o tema. Disse que o show era para “falar de alegria, de futuro e de floresta em pé”, o que chamou de “necessidade urgente”. Afirmou também que é necessário ter “consciência limpa” para preservar a Amazônia. “Estamos fazendo algo que é benefício da gente, da nossa sobrevivência. Temos não só o direito, mas a obrigação de falar disso.”

Os 47 mil ingressos disponibilizados foram todos adquiridos –de forma gratuita, após responder um questionário–, mas o Mangueirão não ficou lotado. No show de Ivete, a plateia não ultrapassava as últimas torres de som, nos fundos do estádio, e as arquibancadas altas –as maiores– não chegaram à metade da lotação. Ainda assim, havia bastante gente para ver a baiana, e o público teve conforto e espaço para pular e dançar.

O repertório abrangeu mais de três décadas de hits, a começar pelos mais recentes –“Energia de Gostosa”, “Macetando” e “Cria da Ivete”. Seguiu com uma sequência de sucessos deste século, incluindo “Tempo de Alegria”, “Abalou”, “Sorte Grande”, “Festa”, “Acelera Aê” e não parou mais. “Faz de conta que sou um bombom de cupuaçu e vocês vão me morder todinha”, ela disse, com a plateia na mão.

A segunda metade contou com um bloco nostálgico de outros carnavais, mais especificamente dos anos 1990, com músicas da época de Banda Eva e até de outros artistas –casos de “Faraó, Divindade do Egito”, famosa com Margareth Menezes, e “Prefixo de Verão”, da Banda Eva. “Alô Paixão”, “Beleza Rara” e “De Ladinho” entraram nesse balaio.

Já na reta final, Ivete disse que a noite ficaria marcada em sua história e voltou a discursar sobre a preservação da Amazônia e em favor dos povos indígenas. Falou que o show era uma “convocação para que a gente cuide disso que não é só nosso, é a gente”. “A gente é a natureza, não são coisas diferentes.”

“Pode soar piegas, mas é um fato”, ela seguiu. “A gente precisa viver num ambiente que nos favoreça. Se somos a natureza, quando a gente agride a natureza, a gente nos agride. Essa floresta gigante, poderosa, para mantê-la em pé, primeiro é preciso respeitar os donos desse lugar –os povos originarios”.

A baiana ainda afirmou que os povos indígenas do Norte do país são “importantes para a existência dessa floresta e consequentemente do mundo”. “É cientificamente genial o que esses povos fizeram, uma civilização organizadíssima. E não se ouve essa população. A gente fala muito de futuro, mas que futuro é esse que você pretende e vai deixar para as próximas gerações?”

O discurso precedeu uma performance emotiva de “Sal da Terra”, música de Beto Guedes e Ronaldo Bastos que marcou o momento mais explicitamente pró-Amazônia da apresentação.

Ivete cantou até depois da 1h da madrugada de domingo (21). Seu show, marcado para as 22h30, só começou por volta de 23h30 e teve quase duas horas de duração.

Antes da baiana, a paraense Viviane Batidão comandou o Amazônia Live. Há 20 anos rainha do tecnomelody, ela dominou o Mangueirão com seu espetáculo que é a melhor representação de uma apresentação com todos os maneirismos do pop, só que usando como matéria prima a música do Pará.

Viviane mimetiza a pirotecnia das aparelhagens, troca de looks como uma diva pop e sabe como poucos conduzir uma plateia em sua terra natal. Ela foi dos tempos do auge do tecnomelody nos anos 2000, com “Xanana” e “Galera da Golada” aos sucessos mais recentes, como “É Sal”, “Haja Paciência” e “Olha Bem Pra Mim”, incluindo as versões de sucessos estrangeiros –de Rihanna e Lady Gaga, entre outros.

Ainda que na pista o som estivesse potente, Viviane ouviu os gritos de “aumenta o som” em coro vindos do público na arquibancada –e pediu que a equipe adequasse os equipamentos. “Joga minha voz para fora, meu filho!”, ela gritou.

Também recebeu Gaby Amarantos para uma performance de “Te Amo Seu Fudido”, de “Rock Doido”, mais recente álbum da cantora. As duas trocaram elogios e cantaram, a capella, alguns sucessos de Amarantos –incluindo “Foguinho”, outra da leva das mais novas.

O show contou com um momento de rock doido, o estilo de tecnobrega atual mais acelerado, com influências do funk de Rio de Janeiro e São Paulo e do brega funk de Recife. Nessa sequência, Viviane botou um óculos no estilo Juliete e incendiou a plateia com gritos coreografados, um canhão de fumaça, muita dança e performances teatrais com seu balé.

As portas do Mangueirão foram abertas às 16h30, mas o primeiro show só começou perto de 19h, depois de uma chuva mais forte do que tem acontecido nos últimos dias na capital paraense. A água que caiu do céu também deve explicar a chegada lenta do público, que só foi encher o estádio nos últimos shows da noite.

Quando a Orquestra Jovem Vale Música tocou a primeira nota, o Mangueirão ainda estava praticamente vazio. Quem chegou cedo, contudo, viu o grupo mostrar meia hora de clássicos de carimbó e até do samba num formato instigante –com os tambores do ritmo paraense em primeiro plano, dando potência à seção melódica.

A apresentação seguiu um roteiro, homenageando mestres como Pinduca e Damasceno, com “No Meio do Pitiú” e “Sinhá Pureza” no repertório. A cantora Gigi Furtado entoou “Zé do Caroço”, samba conhecido na voz da carioca Leci Brandão, com a orquestra.

Alguns desses clássicos do carimbó voltaram ao palco no repertório da Lambateria Baile Show, comandada por Félix Robatto. O músico levou ao estádio uma versão de gala do evento que faz toda as quintas, no espaço Apoena, em Belém, dedicado a ritmos mais tradicionais do Pará, como a lambada, a guitarrada, a cúmbia e o merengue, além do carimbó e do brega.

Foi a celebração mais conectada de fato com as florestas, não só porque contou com uma cantora indígena, Carol Pedroso, de Alter do Chão, mas porque destacou a música que nasceu e se desenvolveu nas matas e beiras dos rios. Robatto recebeu Lia Sophia, que cantou bregas antigos e carimbós, e os vocalistas da banda Warilou, outro clássico da região Norte.

Além dos músicos, Robatto levou ao palco gerações de dançarinos –como Seu João e Dona Nanci, idosos que são instituições da dança na cidade, e batem ponto semanalmente no Apoena. A dupla, homenageada em música de Robatto que leva o nome deles, foi ovacionada pela plateia no Mangueirão.

Foi um show quente e rico ritmicamente, onde brilhou a guitarra do barbudo que comandou a festa. Mais importante, foi a apresentação que mais casou com o tema da preservação –neste caso, mantendo não só vivo, mas pulsante e capaz de fazer mexer e emocionar, algumas das músicas mais tradicionais que emergiram dos rios e florestas do Norte brasileiro.

Foi o que disse Robatto ao falar da preservação da Amazônia. “É importante misturar cultura e meio ambiente porque a base dessa nossa cultura é o meio ambiente. E assim a gente consegue preservar mais e conscientizar mais sobre o meio ambiente.”