BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Terminou com um certo gosto de ressaca o 58º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Nem tanto pela secura que acometeu o ar da capital federal nesta última semana, mas sobretudo pela decepção de parte do setor do audiovisual ao ver o projeto de regulamentação streaming ir para as mãos do centrão.

“Frustração e decepção” foram as palavras escolhidas para se referir ao governo Lula 3 no documento elaborado pela 5ª Conferência do Audiovisual Nacional, realizada em meio ao festival, que guiou as falas que precederam a entrega do troféu Candango.

Enquanto o governo celebra os prêmios históricos conquistados pelo cinema nacional, afirma-se no documento, não se vê esforços de criação de políticas estruturantes para o audiovisual.

A carta aponta ainda para atual gestão do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), “uma engrenagem emperrada, que opera de forma descoordenada e ineficaz”.

Uma chuva tímida veio nesta sexta (19), último dia da mostra competitiva, trazendo alívio aos brasilienses visitantes. Na quinta, sob um céu que ameaçava garoar, Brasília viu Hugo Motta (Republicanos-PB) finalmente escolher o relator para o projeto da regulamentação do streaming, que sem grandes surpresas, foi parar no centrão. Foi Doutor Luizinho (PP-RJ), ex-secretário da saúde do governador Claudio Castro (PL), do Rio de Janeiro.

Durante a cerimônia de encerramento, que premiou o longa gaúcho “Futuro Futuro” como melhor filme e roteiro, as atrizes Maeve Jenkins e Bárbara Colen, mestres de cerimônia, leram trechos que acenavam para a carta.

“Nosso mercado segue entregue às big techs, totalmente desregulado”, disseram. “A regulação do vídeo sob demanda continua sem receber a devida prioridade do governo Lula.”

“Mais importante do que ações simbólicas, seria ver o governo colocando energia na defesa da regulação do streaming”, completou Jenkins.

O ganhador do prêmio da crítica, o diretor Guto Parente, disse que é urgente a aprovação do PL do streaming, “senão a gente vai ser devorado pelas big techs e pelo homem laranja”, disse Guto Parente, o diretor.

O júri decidiu premiar atores já consagrados –Murilo Benício como melhor ator e Christian Malheiros como ator coadjuvante, ambos do filme de José Eduardo Belmonte, “Assalto à Brasileira”, que também levou o prêmio de júri popular. Em contrapartida, premiou atrizes iniciantes. Dhara Lopes e Maria Ibraim, ambas por “Quatro Meninas. O prêmio de direção foi para Karol Maia, por seu documentário “Aqui não Entra Luz”, que acompanha cinco empregadas domésticas em diferentes estados brasileiros.

O Festival Brasília tem um histórico de alta voltagem política e já foi palco de debates acalorados no passado. Num passado não muito distante, em 2017, por exemplo, discussões em mesas do festival chegaram a extrapolar a bolha da cinefilia. “Vazante”, que retrata a escravidão numa fazenda mineira no século 19 pelo olhar de uma garota branca de 12 anos, foi bombardeado por críticas na edição de 2017 do festival.

A discussão em torno do filme de Daniela Thomas, para além de textões e fóruns na internet, foi parar até na TV aberta.

Na edição de 2025 e nas mais recentes, porém, não se bate boca. Bate-se palmas. Quem concorda é a crítica veterana Maria do Rosário Caetano.

“Sou uma ferrenha defensora de debates, acho que são o melhor momento de festival”, ela se defende, antes de dar porrada no atual zeitgeist que tempera não só Brasília, mas os festivais de cinema como um todo. “Mas, gente, os debates estão muito difíceis. As pessoas choram, se aplaudem toda hora, os amigos falam… meu Deus”, diz.

Ela conta que no passado, em Brasília ou Gramado, “o pau quebrava”. “Hoje, se você fizer uma observação mais dura, a pessoa chora, sabe? E tem que aplaudir. Aplaude-se cada resposta”, diz Rosário. “O que é isso, gente? É uma ação entre amigos? Não, o debate tem que ser um espaço de reflexão crítica.” Rosário foi aplaudida após reclamar de aplausos.

Nenhum representante do Ministério da Cultura falou na cerimônia de encerramento neste sábado. Na abertura, uma semana atrás, o clima era outro. A secretaria do audiovisual do MinC, Joelma Gonzaga, subiu ao palco. “Que bela semana para sermos brasileiros, não é verdade?”, disse, se referindo à então recente condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). A secretaria afirmou que é preciso que se continue vigilante “A extrema-direita continua aí, embora nós tenhamos vencido essa semana”, disse a secretária.

VENCEDORES — LONGA-METRAGENS

– Melhor longa-metragem — júri popular

“Assalto à Brasileira”

– Melhor longa-metragem — júri oficial

“Futuro Futuro”

– Prêmio Especial do Júri

“Quatro Meninas”, de Karen Suzane

– Direção

Karol Maia, por “Aqui não Entra Luz”

– Melhor roteiro

“Futuro Futuro”, Davi Pretto

– Ator coadjuvante

Christian Malheiros “Assalto à Brasileira”

– Atriz coadjuvante

Maria Ibraim “Quatro Meninas”

– Ator

Murilo Benício “Assalto à Brasileira”

– Atriz

Dhara Lopes “Quatro Meninas”

– Menção honrosa

Zé Maria Pescador, de “Futuro Futuro”

– Fotografia

“A Pele do Ouro”

– Montagem

“Futuro Futuro”

– Edição de som

“Corpo da paz”

– Trilha sonora

“Corpo da Paz”

– Fotografia

“Corpo da Paz”

– Prêmio Abraccine

“Morte e Vida Madalena”, de Guto Parente