SÃO PAULO, SP, E NOVA YORK, EUA (FOLHAPRESS) – Depois de conflitos diplomáticos que levaram a um dos piores momentos da relação entre os países em toda a história, o Brasil e aliados decidiram não convidar os Estados Unidos para a reunião “Democracia Sempre”, que será realizada às margens da Assembleia-Geral da ONU, em Nova York, na semana que vem.

Os EUA participaram da reunião do ano passado, idealizada por Brasil e Espanha. Neste ano, no entanto, os americanos não estão entre os cerca de 30 convidados, por decisão dos organizadores – Brasil, Espanha, Uruguai, Colômbia e Chile. Nações como Alemanha, Canadá, França, México, Noruega, Quênia, Senegal e Timor Leste estão na lista. O secretário-geral da ONU, António Guterres, também deverá ser chamado como representante da UE.

Um funcionário do governo brasileiro afirmou que apenas países democráticos são convidados para o encontro, que acontecerá na próxima quarta-feira (24). Segundo ele, não existem condições para a participação de um país que teve uma virada extremista e cujo governo está questionando a democracia e as eleições brasileiras.

A cúpula tem como principais temas a democracia e o combate à desigualdade e à desinformação. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) participou de uma reunião do grupo no Chile, em julho.

Na conclusão do encontro, os líderes divulgaram um comunicado reafirmando o compromisso “com a defesa da democracia, do multilateralismo, além do trabalho conjunto para abordar as causas estruturais que solapam as instituições democráticas, seus valores e legitimidade”.

A primeira edição, no ano passado, organizada por Lula e pelo líder espanhol, Pedro Sánchez, foi chamada de “Em defesa da democracia, combatendo o extremismo”. Os EUA, na época governados pelo democrata Joe Biden, enviaram um funcionário de segundo escalão do Departamento de Estado, equivalente no Brasil ao Itamaraty, para participar.

Sánchez propôs que o encontro fosse o primeiro do tipo para coordenar uma resposta a um fenômeno global reacionário contra a democracia. Ele apontou três fatores que diminuem a confiança da população na democracia: a desigualdade, a desinformação e a propagação de discurso de ódio.

Neste ano, um dos primeiros atos do governo Trump foi a assinatura de um decreto proibindo o combate à desinformação, que o americano classifica de censura.

Apesar de criticar o combate a discurso de ódio durante o governo democrata, Trump agora pressiona pela demissão de personalidades que criticaram Charlie Kirk, ativista conservador assassinado no último dia 10. O exemplo mais recente foi Jimmy Kimmel, âncora de um programa na ABC que foi suspenso após um comentário sobre o assassino de Kirk.

Em nota enviada junto com o convite para os países participarem da primeira edição do Democracia Sempre, Lula e Sánchez citavam os ataques antidemocráticos de 8 de Janeiro, em Brasília, e a invasão do Capitólio, a sede do Congresso americano, como símbolos de “movimentos violentos com elementos comuns, como a rejeição da alternância democrática e da diversidade, além da exaltação de uma forma exclusiva de identidade nacional”. No primeiro dia de seu segundo mandato, Trump concedeu perdão a 1.500 condenados pelos atos do 6 de Janeiro, em Washington.

Outro tema da cúpula deste ano será a regulação das big techs. De novo, um tópico que está sob ataque no governo Trump. O presidente americano se opõe à regulação de plataformas de internet e ameaça impor tarifas a blocos como a UE, que implementou legislação para obrigar as empresas a moderarem o conteúdo online e que já justificou multas para algumas companhias americanas.

Lula deverá desembarcar neste domingo (21) em Nova York para participar da Assembleia-Geral da ONU, em que discursará no debate anual de alto nível que reúne 193 membros do órgão, incluindo os EUA.

Será a primeira vez que Lula e Trump estarão no mesmo local desde a eleição do americano e da aplicação pelos EUA de uma série de sanções ao Brasil. Não há, porém, expectativa de encontro entre os líderes.

O evento ocorrerá sob ameaça do anúncio de novas punições contra o Brasil, o que pode gerar constrangimentos à delegação brasileira. Para além do clima de tensão entre Lula e Trump, outros assuntos-chave devem permear a assembleia: a guerra entre Ucrânia e Rússia, o conflito entre Hamas e Israel na Faixa de Gaza, além do combate às mudanças climáticas.

Nesta segunda (22), Lula participará de um evento que vai debater a solução para dois Estados na Palestina, defendida pelo Brasil e da qual os EUA se opõem.

A tendência é que o tema seja inserido inclusive no discurso que o presidente fará no debate da assembleia, na terça-feira (23). O Brasil é sempre o primeiro país a se manifestar.

Lula já chamou de genocídio por parte de Israel o que ocorre em Gaza e pode se manifestar dessa forma novamente. O presidente também deve reafirmar a importância da COP30, a assembleia climática da ONU que será realizada no mês de novembro, em Belém.

Aliados também acreditam que Lula deverá reafirmar a soberania do Brasil e a importância da democracia diante dos ataques proferidos por Trump ao país.

O tema deve aparecer em menor ou maior grau a depender da aplicação de novas punições pelos EUA. Existe a possibilidade de o governo Trump divulgar punições como resposta à condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na segunda, gerando um constrangimento ao presidente brasileiro.

Entre as punições em análise estão o aumento de tarifas, a ampliação de restrição de vistos e a inclusão da mulher de Alexandre de Moraes com base na Lei Magnitsky, criada para punir violadores de direitos humanos. Se isso ocorrer, um integrante do governo Lula diz que o presidente deverá responder em seu discurso na assembleia.

Os EUA falam logo na sequência do Brasil. Os oradores que se manifestam na assembleia geralmente ficam numa sala à espera do momento de irem ao púlpito, enquanto aqueles que terminam os discursos deixam o local por outra saída. Por isso, a presença dos dois no mesmo ambiente não é garantia de encontro.