SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Caio Bonfim, 34, fez um enorme esforço para concluir bem os 20 km da marcha, no Mundial de atletismo, em Tóquio, na manhã japonesa de sábado (20). Foi ao chão, ganhou fôlego, celebrou com o público. E, então, em sua primeira entrevista como campeão do mundo, pediu desculpa à sua mulher, Juliana.
“Eu tenho que contar uma história antes”, afirmou ao SporTV, recusando-se a responder a pergunta que havia sido feita. “A minha aliança caiu no terceiro quilômetro. E eu pensei: Minha esposa só vai me perdoar se eu conseguir o ouro. Passei umas quatro voltas tentando avisar o pessoal [da organização]. Mas acho que ela vai me perdoar.”
Segundo Caio, Juliana lhe mandou mensagem todos os dias durante o Mundial. “Ela escrevia: Vença por nós. E mandava uma medalha de ouro: Acostuma, acredita. A ficha ainda não caiu. Eu não sabia que estava em primeiro. Passei o espanhol [Paul McGrath] e o chinês [Wang Zhaozhao]. Fiz a curva, vi a faixa [de chegada] e olhei para o telão: primeiro”, relatou.
A surpresa se explica pelo fato de Bonfim não ter notado o momento em que o japonês Toshikazu Yamanishi, que liderava a disputa, teve uma punição de dois minutos por três faltas de deslizamento (tirar simultaneamente os dois pés do chão). Apoiado pelo público, o atleta da casa era um dos favoritos e terminou em 28º lugar.
O competidor de Sobradinho, Distrito Federal, passou boa parte da prova no segundo pelotão. Sua estratégia foi conservar energia nos primeiros quatro quilômetros e aumentar o ritmo depois disso. Foi o que lhe permitiu entrar no Estádio Nacional do Japão a maior parte da disputa ocorre no entorno em primeiro. E sair dele gigante na história do atletismo brasileiro.
Caio se tornou apenas o terceiro atleta do país a levar um ouro no Mundial de atletismo Fabiana Murer, no salto com vara, em Daegu, em 2011, e Alison dos Santos, nos 400 m com barreiras, em Eugene, em 2022, são os outros. E se tornou o brasileiro com mais medalhas na competição, superando o velocista Claudinei Quirino, que acumulou três pódios nas edições de 1997 e 1999.
Bonfim já havia recebido uma medalha no Mundial de Tóquio, no início da competição, a prata na marcha de 35 km. Antes disso, tinha obtido dois bronzes nos 20 km: em 2017, em Londres, e em 2023, em Budapeste. Ele tem também no currículo a medalha de prata dos 20 km nos Jogos Olímpicos de 2024, em Paris.
“Passa um filme na cabeça. Hoje, eu tenho quatro medalhas de Mundial, e a gente pode relembrar Claudinei Quirino. Talvez a nova geração nem saiba. Agora faço parte da geração do Piu”, observou, humildemente. “Pensei: As conquistas dele vão respingar em mim. Porque acho que o Piu vai ser o maior medalhista do Brasil.”
Piu é Alison dos Santos, dos 400 m com barreiras, que já tem duas medalhas em Mundiais (um ouro e uma prata) e duas medalhas em Olimpíadas (dois bronzes). No atual Mundial de Tóquio, ele ficou em segundo lugar, na noite japonesa de sexta (19), ainda manhã no horário brasileiro, ampliando sua coleção.
Somada às duas medalhas de Caio Bonfim, a prata de Piu dá ao Brasil sua melhor campanha na história do Mundial de atletismo, com um ouro e duas pratas. A delegação brasileira havia obtido também três medalhas em 1999, em Sevilha, mas duas de prata (Quirino nos 200 m e Sanderlei Parrela nos 400 m) e uma de bronze (revezamento 4 x 100 m).
Para estabelecer a nova marca, Bonfim pensou no perdão da mulher, nas orientações da mãe e na saudade dos filhos. A esposa precisava de uma boa explicação para a aliança perdida. A mãe, Gianetti, é sua treinadora e o orientava a cada volta, para que não se desgarrasse do primeiro pelotão. E os três filhos lhe davam força para suportar o esforço.
“Theo [de três anos] é o meu filho do meio. E ele me falou que o Miguel [de seis], mais velho, chorou na escola. O Miguel não queria contar, mas o Theo é fofoqueirinho”, afirmou, contendo as próprias lágrimas para explicar que o motivo do pranto do menino, de acordo com a professora, era “saudade do papai”.
“Você fica cinco semanas longe e vê que a criança Aí eu falei: Estou por eles aqui, então, tem que valer a pena aqui. Nas últimas duas voltas, pensei: Os moleques estão lá sofrendo, mas vão sentir orgulho. Dizia: Não se entrega, mais uma volta, mais uma volta”, relatou, antes de resumir os fatores de sua motivação: “Era isso, além do medo por causa de a aliança ter caído.”