SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Sete semanas depois de o Ministério do Meio Ambiente confirmar a existência de um surto de circovírus entre a população de ararinhas-azuis no programa de reintrodução da espécie na Bahia, as aves afetadas ainda não foram recolhidas para análises detalhadas, apesar de recomendações de órgãos ambientais e de especialistas.
A ararinha-azul, espécie endêmica da caatinga brasileira, é uma das aves mais raras do mundo. Pouco mais de 300 delas existem hoje em todo o planeta, e a imensa maioria em cativeiros. As poucas que estão na natureza, reintroduzidas no âmbito do programa de conservação da empresa Blue Sky e da ONG alemã ACTP, agora estão em risco graças ao circovírus, que é letal.
Apesar das recomendações do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), órgão do Ministério do Meio Ambiente que monitora o programa, a ACTP insiste que não realizará a captura das ararinhas-azuis em vida livre, argumentando que a medida não é necessária nem eficaz.
À Folha, o biólogo sul-africano Cromwell Purchase, que trabalha no criadouro em Curaçá (BA), a 550 quilômetros de Salvador, diz que recolher as aves seria “irresponsável” e causaria a extinção da espécie o que, acusa Purchase, seria o verdadeiro objetivo das autoridades ambientais brasileiras “desde que perceberam o sucesso que uma empresa estrangeira teve”.
“Elas não medirão esforços para enterrar esse projeto para que possam começar um próprio, e estão dispostas a sacrificar todas as ararinhas-azuis na natureza para fazê-lo”, diz o biólogo.
O sul-africano afirma ainda ter tomado medidas para conter o surto do vírus e que testes feitos desde a identificação inicial da doença (em um filhote, em fevereiro) têm sempre tido resultados negativos. Ele diz ter sido ameaçado de prisão por funcionários de ICMBio.
O órgão nega as acusações. À Folha, por email, a instituição diz que testes feitos apenas em amostras de fezes das aves não comprovam a ausência da doença. “A eliminação do vírus é intermitente, ou seja, pode não estar ocorrendo no momento da coleta. Usar amostras múltiplas (sangue, penas e swab) dá maior confiabilidade aos testes”, afirma o ICMBio.
“O momento da coleta também importa. Se ocorrer após alguns dias de um evento de estresse, como a captura, por exemplo, a probabilidade de haver eliminação de partículas virais pelos animais infectados é maior.”
Além disso, a autoridade ambiental ressalta que há uma possibilidade real de falsos negativos nos exames feitos pelo criadouro a partir das fezes, “pois consistem de uma única amostra, coletada de animais que não estão sob estresse.”
“A captura e teste de aves não significa que o projeto vai terminar, pelo contrário”, avalia o biólogo Luís Fábio Silveira, curador da seção de aves do Museu de Zoologia da USP (Universidade de São Paulo). “Seria um sinal muito positivo de que as medidas de contingência estão sendo adotadas.”
Silveira, assim como o ICMBio, garante que não há registro da transmissão do circovírus em psitacídeos na natureza no Brasil, apenas em aves em cativeiro o que sugere que o surto se originou na população no criadouro da ACTP em Curaçá.
“Mas, mais importante do que isso, antes de ficarmos apontando o dedo, precisamos baixar a bola, capturar as aves e resolver o problema sanitário primeiro”, afirma o biólogo.
Sem a recaptura para realização de testes, avaliar se o surto acabou ou se mais aves da região estão em risco é impossível, segundo o ICMBio.
O circovírus causa a chamada doença do bico e das penas em psitacídeos pássaros da família Psittacidae, como papagios, araras e periquitos, uma enfermidade que não tem cura, é crônica e termina por matar a ave na maioria dos casos. O vírus não é perigoso para humanos ou para aves de produção, como galinhas.
Purchase e funcionários do centro de reprodução em Curaçá fizeram publicações em redes sociais nos últimos dias dizendo que o governo brasileiro se prepara para fechar o programa da ACTP. A Folha não conseguiu verificar essa informação, e o ICMBio se limitou a dizer que estuda medidas legais cabíveis “para que todas as medidas emergenciais sejam adequadamente cumpridas”.