SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A República.org, uma entidade que pesquisa temas ligados ao funcionalismo público, lançou no mês passado o segundo volume do “República em Notas”, um compilado de textos de perfil mais acadêmico que discorrem sobre a administração pública. Organizado por Ana Luiza Pessanha e Humberto Falcão Martins, o livro tem como temas gestão de pessoas, diversidade no funcionalismo, governo digital e ações para o ambiente.
Publicado enquanto o Congresso discute a reforma administrativa, o livro aborda alguns dos pontos que também estão em pauta entre os deputados, como quais devem ser as regras para o trabalho temporário.
Em uma apresentação, Francisco Gaetani, secretário de Transformação do Estado do MGI (Ministério da Gestão e da Inovação), lista uma série de tarefas e dificuldades perenes e novas de quem tenta reformar o Estado. Ele cita necessidade de dar eficiência ao gasto, profissionalizar a mão de obra, entregar serviços públicos, definir uma estratégia de desenvolvimento etc. A elas, somam-se lidar com a revolução digital, priorizar o enfrentamento da mudança climática e abrir espaços mais grupos sociais.
Gaetani diz ainda que o federalismo brasileiro está disfuncional e que a relação entre os poderes está “fragilizada” -nesse último tópico, ele lista “novos” poderes, como o Tribunal de Contas e o Ministério Público.
INSTITUIÇÕES PÚBLICAS
Bruno Carazza, autor de “O País dos Privilégios”, publicou um texto de revisão de literatura acadêmica sobre captura do Estado para sugerir algumas políticas de boas práticas na administração pública. Não são ideias novas, mas, sim, itens como avaliações prévias de políticas, estimativas de impactos fiscais e publicação antecipada, para consulta pública, de minutas de propostas legislativas e de regulações.
Ele descreve algumas noções sobre o que é “rent seeking”, ou seja, a ação de grupos de interesse que “levam vantagem ao lidar com o governo, uma vez que os benefícios são concedidos a grupos específicos, enquanto os custos daquela política são diluídos entre um número indefinido de consumidores e contribuintes”.
O economista também cita brevemente a diferença entre instituições públicas inclusivas e as extrativistas, o tema mais conhecido dos últimos vencedores do Nobel de Economia, Daren Acemoglu e James Robinson. As primeiras “estimulam a concorrência e a inovação, permitindo que pessoas e empresas façam o melhor uso possível de suas habilidades e talentos”, e as últimas “tendem a gerar normas que estimulam a concentração de renda, pois o apoio da elite econômica é essencial para manter os representantes da classe política dominante no comando da região”.
O sistema político brasileiro, argumenta, é permeável à influência de grupos privados. As sugestões que ele dá são uma tentativa de “aprimorar instrumentos que equilibram o jogo entre organizações que defendem interesses difusos”.
CONCURSOS PÚBLICOS
O professor Fernando Coelho, da USP, e Lívia Resende Lara, do MGI (Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos), assinam um artigo para resumir as discussões mais recentes sobre concursos públicos.
O ponto deles é que falta uma estratégia nacional para melhorar os concursos.
Um dos problemas é a periodicidade: as provas acontecem com frequência irregular, dependendo de prioridades, crises e disponibilidades de recursos.
É frequente haver judicialização e, por isso, os organizadores evitam correr riscos associados às provas escritas (questões dissertativas) e aos exames práticos de habilidades (com simulações de tarefas típicas da função a ser exercida).
Também comum que as avaliações tenham pouca relação com as atribuições do cargo. No ano passado foi aprovada uma lei para tentar aproximar o conteúdo das provas de competências do cargo.
O texto também traz um resumo de uma tese de mestrado que analisou os concursos de agências reguladoras. Segundo a avaliação, os editais não têm informações essenciais sobre habilidades e aptidões necessárias para os cargos, a descrição das funções é resumida demais e, na prática, os servidores só descobrem a natureza do trabalho após a posse.
Com frequência as provas fazem perguntas sobre a lei de maneira muito literal. O curso de formação, que poderia ser uma oportunidade para avaliar aspectos não cobertos pelas provas escritas, é considerado subaproveitado.
Por fim, quando os novos servidores finalmente entram no serviço há dois problemas: muita gente entra ao mesmo tempo, e isso é ruim para analisar com cuidado qual seria a melhor alocação de cada um deles, e a escolha por indicação ou contatos pessoais estabelecidos durante o curso prejudica a distribuição ideal dos servidores.
Os autores afirmam que esse quadro é uma “ideologia concurseira” e que algumas organizações públicas prefeririam superar, mas não querem se arriscar.
CONTRATAÇÃO DE TEMPORÁRIOS
Outro dos textos sobre gestão é sobre a contratação de temporários. É uma prática já difundida na administração pública que, no papel, deveria ser apenas para questões emergenciais.
A autora do texto, a advogada Vera Monteiro, afirma que há um uso “recorrente e desordenado”, o que faz com que órgãos de controle, como o Tribunal de Contas e o Ministério Público, levantem questionamentos.
Monteiro ajudou a redigir uma proposta de lei que já foi protocolada na Câmara dos Deputados sobre esse tema. Há várias ideias que embasam o texto, como tentar diminuir a desconfiança que os órgãos de controle (incluído o Judiciário), moralizar as contratações temporárias com algumas regras mínimas, como prazo e direitos dos agentes especiais, proibir nepotismo e outros tipos de patrimonialismo.
“As contratações por tempo determinado não substituem contratações permanentes, nem servem para atividades exclusivas de estado. Tais contratações não podem ser utilizadas, por exemplo, para funções públicas de administração da Justiça ou conexas, como aquelas exercidas por policiais militares, promotores, defensores públicos e juízes”, diz ela.