SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Conrado Paulino da Rosa, advogado e professor da Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP), é acusado de estupro de vulnerável, violência psicológica e possíveis abusos facilitados pelo uso de substâncias químicas por pelo menos cinco mulheres. Os relatos, que abrangem um período de mais de uma década, são apurados pela 2ª Delegacia da Mulher de Porto Alegre (RS).
A investigação começou após a delegacia receber uma denúncia anônima contra Conrado. “Registrei o fato e instaurei o inquérito”, explica a delegada-titular responsável pelo caso, Fernanda Campos Hablich. A partir disso, outras mulheres ligadas ao advogado em contextos profissionais e acadêmicos alunas, ex-alunas e colegas de trabalho procuraram a delegacia para registrar denúncias.
Em nota, os advogados Paulo Fayet e Cássio de Assis, responsáveis pela defesa de Conrado, afirmam que tiveram “acesso recentemente ao inquérito e tem convicção da inexistência de fatos penalmente relevantes, respeitando sempre o sigilo do expediente e o trabalho da Delegacia Especializada”.
Segundo a Polícia Civil, ao menos nove pessoas já foram ouvidas, entre vítimas e testemunhas, e há expectativa de que outras mulheres ainda se manifestem. Em comum, os depoimentos indicam um ambiente de confiança explorado para a prática de abusos. “Não houve relato de uma pressão explícita, mas havia o medo de sofrer prejuízos na carreira caso não aceitassem as investidas”, explica Hablich.
Já durante os relacionamentos, as denunciantes narram episódios de sexo violento com tapas agressivos no rosto, hematomas devido à força e insistência para sexo anal além de estupro. Também de violência psicológica, com comentários pejorativos sobre a vida profissional e a aparência. Outro ponto de convergência entre os depoimentos é a sonolência repentina e apagões de memória, atribuindo a supostos suplementos e medicamentos que ele oferecia.
Em um dos relatos, a vítima conta que ingeriu pouca bebida alcoólica, mas teve reações atípicas: sentiu sonolência intensa, confusão mental e perdeu os sentidos. Diz se lembrar de ter sido acordada por Conrado insistindo para manterem uma relação sexual. Mesmo dizendo que não queria e que não tinha condições físicas, relatou que ouviu dele: “Consegue sim”. Depois disso, apagou. No dia seguinte, acordou com hematomas pelo corpo e machucados na região íntima.
Outro depoimento descreve um episódio de agressividade durante o ato sexual. A vítima contou que levou um tapa tão forte no rosto que chegou a pensar que a mandíbula havia sido deslocada. A violência, segundo ela, foi inesperada e não consentida.
Casos como esses podem ser enquadrados como estupro de vulnerável, crime previsto no artigo 217-A do Código Penal. A lei considera vulnerável toda pessoa que, por causa do sono, uso de substâncias ou qualquer outro motivo, não tenha capacidade de consentir ou de resistir. Mesmo sem uso explícito de força ou ameaça, manter relação nessas condições é crime.
A polícia também investiga violência psicológica, já que algumas vítimas descrevem que ele alternava momentos de gentileza e apoio com críticas duras e desqualificações. Uma delas conta que, ao mesmo tempo em que recebia ajuda profissional dele, ouvia que seu trabalho não era bom o suficiente. Esse jogo de elogio e menosprezo a fez duvidar de sua própria capacidade.
Após o fim dos relacionamentos, outras formas de controle teriam surgido, segundo os relatos. Mulheres dizem que Conrado espalhava boatos, distorcia histórias ou alertava colegas contra elas com o objetivo de minar sua credibilidade. O medo de retaliação no meio acadêmico e jurídico era constante.
O caso mais antigo denunciado teria acontecido em 2013, e a denunciante relatou que não havia falado anteriormente por medo. Hablich afirma que isso é muito comum em situações de violência de gênero. “A demora pode estar ligada a vários fatores, como medo, vergonha, baixa autoestima e desvalorização pessoal.”
Parte das mulheres que prestou depoimento solicitou medida protetiva uma concedida e outras em análise pelo Judiciário com receio de possíveis retaliações ou de interferência do advogado no andamento do processo. Conhecido em círculos jurídicos, Conrado é também presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e mantém uma presença digital ativa, com mais de 78 mil seguidores no Instagram.
Procurado, o IBDFAM confirmou o afastamento de Conrado da presidência e da Comissão das Relações Acadêmicas, informando que haverá uma reunião da diretoria nacional na próxima semana para definir “quais outras providências a tomar” em relação ao caso.
A reportagem também entrou em contato com a Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP), que declarou que o professor não integra mais o corpo docente da Instituição.
“O desligamento foi definido em caráter administrativo, em conformidade com o regimento interno, sem qualquer juízo antecipado sobre eventual responsabilidade de situações externas à Instituição.”
Além dos episódios que denunciaram, as mulheres destacamos impactos emocionais de expor um homem influente e aparentemente respeitável. Algumas dizem ter se afastado de atividades acadêmicas e enfrentaram danos psicológicos profundos: crises de ansiedade, diagnóstico de depressão e medicamentos psiquiátricos.
Em manifestação conjunta para a Folha de S.Paulo, elas declararam: “Nós, sobreviventes da violência, sentimos que essa vai ser a última primavera em que as vítimas ficaram caladas. Dia 29 de setembro completa 12 anos da violência mais antiga narrada no inquérito. Neste momento, acreditamos que a justiça será feita, independente de qualquer influência do acusado”.
A Polícia Civil afirma que segue ouvindo vítimas e testemunhas e analisando elementos que comprovem os relatos.
Já a advogada Gabriela Souza, que defende as mulheres vítimas, ressaltou que “todas as medidas judiciais cabíveis já foram tomadas e que, neste momento, se manifestarão apenas perante as autoridades policiais e judiciais, inclusive já solicitaram medida protetiva de urgência para protegê-las”.
Além disso, orienta aquelas “que possam estar vivendo relacionamentos abusivos a buscarem ajuda, denunciarem, entendendo que o silêncio protege apenas os agressores. Desde já, repudiam o uso de qualquer estereótipo de gênero, comuns nas defesas de homens denunciados, e reafirmam aquilo que foi dito por Maria da Penha: a vida começa quando a violência termina”.