BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O relator do projeto de anistia aos condenados por atos golpistas, deputado Paulinho da Força (SP), que é presidente do Solidariedade, afirma que seu texto não irá afrontar o STF (Supremo Tribunal Federal).
“Eu não vou construir nenhum projeto que afronte o Supremo. Eu sou o maior defensor do Supremo no Tribunal Federal”, diz à reportagem.
O deputado já havia afirmado que o projeto tratará de redução de penas e não de anistia, conforme desejam o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), e os partidos do centrão.
Ou seja, em vez de prever o perdão aos condenados do 8 de Janeiro e ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o texto vai alterar o Código Penal para reduzir penas previstas para os crimes de golpe de Estado e abolição violenta do Estado democrático de Direito.
Paulinho diz que o projeto envolve um pacto com o STF e com o Poder Executivo, como já havia revelado a Folha de S.Paulo, no sentido de que pautas do interesse do governo Lula (PT) sejam votadas em seguida e que a corte não invalide a medida declarando sua inconstitucionalidade.
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PERGUNTA – Como foi o encontro com Aécio Neves, Michel Temer e Hugo Motta na noite de quinta (18)?
PAULINHO DA FORÇA – A gente clareou bem de pôr um nome no projeto, que não é de anistia, é de dosimetria. Estamos discutindo redução de pena. Esse projeto pode pacificar o país, na medida em que a gente tente envolver os Poderes. É um projeto para superar esse momento de polêmica, de polarização, e cuidar da vida real e dos projetos que interessam ao país.
P – Por que optar por um projeto de dosimetria e não de anistia?
PF – Hugo Motta desde o início tratou disso quando pensou [em pautar] a urgência do projeto. Ele pegou um projeto que tratava de uma anistia branda, mas desde o início dizendo para as lideranças: esse projeto vai ser só para que a gente apresente outra redação. Não é uma opção minha. Já era um entendimento dos líderes da Câmara. Estou aqui representando certa opinião da direção da Câmara, especialmente do presidente.
P – Mas por que Motta quis assim?
PF – Porque o projeto de anistia já foi considerado inconstitucional pelo Supremo. Não dá para a Câmara agora querer reviver uma coisa, teria que ser uma PEC [proposta de emenda à Constituição] e fazer um confronto com o Supremo. Quando Hugo Motta me indicou, tinha um pouco essa intenção de alguém que tinha relação com o Supremo. E que iríamos trabalhar para pacificar o país.
P – O sr. falou que tem boa relação no STF. Temer falou em pacto com o STF e o Executivo. O que exatamente propõe esse pacto?
PF – O Temer tem uma ideia de que a gente podia tentar fazer um pacto com o Legislativo, o Judiciário e também o Executivo. Para que a gente pudesse votar o que interessa não só à Câmara, mas ao Brasil, ao governo. Por exemplo, o governo [Lula] está com o projeto da isenção do Imposto de Renda, com a PEC da segurança pública, que o país está um caos na segurança. Poderíamos, nesse pacto, incluir tudo isso. Ou seja, vamos votar isso [redução de penas] agora, vamos votar em seguida isso, votar aquilo.
O Poder Judiciário teria que entrar concordando com esse texto que estou trabalhando. O ideal seria ouvir as bancadas da Câmara no começo da semana que vem e, com um esboço de texto, até sugeri isso ao Hugo Motta, ele poderia procurar a direção do Supremo e apresentar o texto. E tentar sair com isso pacificado no STF também.
P – O Executivo participaria para destravar a pauta e o STF não declararia o texto inconstitucional?
PF – É, não seria um projeto de afronta ao Supremo. E o governo entraria nessa história na medida em que você vota projetos em que o governo tem interesse. Aí sim a gente pacifica os Poderes e o Brasil.
P – Mas limitar os deputados a votarem apenas um texto com o qual os demais Poderes concordem não é constranger o Legislativo?
PF – Não, por isso que vou me reunir com uma por uma das bancadas. Só vamos conversar com os demais Poderes quando houver o esboço do projeto.
P – Mas a Câmara só pode votar um projeto nos termos que o STF concorde…
PF – Acho que o Supremo tem essa tranquilidade de que eu não vou construir nenhum projeto que afronte o Supremo. Eu sou o maior defensor do Supremo no Tribunal Federal. Tudo que tentam fazer contra o Supremo, eu sou o primeiro a gritar.
P – Isso não é uma interferência do STF no que a Câmara está legislando?
PF – Não. Precisamos de um entendimento nacional. A maioria do povo brasileiro não aguenta mais essa polêmica. Eu não tenho como agradar a todos. Vai ficar gente gritando de um lado e do outro? Provavelmente vai. Nem Jesus Cristo agradou a todo mundo, então não vai ser eu que vou. Vou tentar. Se não conseguir, eu preciso agradar a maioria.
P – O sr. fala em pacificação, mas os bolsonaristas estão revoltados com essa mudança de anistia para dosimetria, eles não vão aceitar.
PF – Vamos conversar com todos. Eu liguei para Rogério Marinho (PL-RN) e Flávio Bolsonaro (PL-RJ). Estou indo encontrar Ciro Nogueira (PP-PI). Falei com a turma do PT também. Vamos falar com todos e, depois, a gente pode dizer, olha, não concordaram.
Aquelas pessoas mais radicais sabem disso. Talvez, até para fazer um discurso para a turma deles, o cara fica radicalizando lá, mas ele no fundo sabe que essa possibilidade não existe. Na medida que o Supremo já declarou inconstitucional. O melhor é ter uma coisa no meio, que possa beneficiar aqueles que foram injustamente penalizados.
P – A votação expressiva de 311 deputados a favor da urgência não mostra que há maioria para uma anistia em si?
PF – A gente construiu essa maioria, não é uma coisa que caiu do céu. Somou gente que queria anistia geral e irrestrita e gente que quer uma coisa no meio. Talvez a grande maioria queira algo no meio.
P – Como responde à crítica de que cabe ao Congresso anistiar, mas não rever penas já aplicadas pelo Poder Judiciário? Que isso sim seria afrontar o STF?
PF – O Congresso pode mudar as leis. E vamos mudar as leis. Precisamos fazer isso pacificado nos Poderes, para que a gente não tenha conflito lá na frente.
P – O sr. tem a sinalização de que o STF concorda com essa sua proposta?
PF – Não, eu não conversei com o pessoal do STF. Hugo Motta deve estar conversando, porque presidentes sempre se falam. Se tivesse algum ruído, eu seria o primeiro a saber.
P – Então o sr. imagina que eles iriam aceitar esse projeto intermediário?
PF – Imagino que sim.
P – Por que o Solidariedade entrou com uma ação para dificultar impeachment de ministro do STF na semana em o sr. foi escolhido relator?
PF – Foi uma coincidência. Entrei com essa ação porque a lei que cassa ministro Supremo é muito confusa. Ela fala em [maioria] de dois terços. Não se sabe se é dois terços no plenário, se é dois terços para cassar. Entrei para que o Supremo pudesse esclarecer. Acho realmente que ministro do Supremo não pode ficar sendo ameaçado toda hora. É mais para modular aquilo e garantir que os ministros possam trabalhar com tranquilidade.
P – A proposta aventada no Senado seria a de reduzir penas, mas fazendo uma distinção entre quem executou atos golpistas e quem planejou ou comandou. Sua proposta não faz essa distinção e reduz as penas igualmente para todos, por quê?
PF – Não faz, mas acho que vai ter que fazer. Estive duas vezes com [o presidente do Senado] Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) conversando sobre essa ideia dele. Achei espetacular.
P – A gente pode esperar, então, uma redução de pena maior para quem executou e menor para quem comandou?
PF – É isso aí. Pessoas que passaram lá no meio do tumulto, tacou uma pedra, essas pessoas têm que ir para a casa e cuidar da vida, cuidar da sua família.
P – Se a redução de pena retroage para todos, inclui Bolsonaro?
PF – O projeto não é individualizado, é geral. Se Bolsonaro tiver alguma dessas penas que serão incluídas, com certeza a quantidade de anos que foi imputada a ele será reduzida.
P – Bolsonaro depende desse projeto para cumprir prisão domiciliar?
PF – Não. Isso é outra história. Esse projeto vai reduzir penas de todo mundo, inclusive do Bolsonaro. Ao ponto de ele ficar domiciliado? Acho que não. Depende dessa articulação que vou fazer a partir de segunda-feira (22) na Câmara.
P – A prisão domiciliar dele pode estar colocada expressamente no projeto?
PF – Pode estar, se a maioria concordar. Agora, acho que não tem clima para fazer isso na Câmara. O caminho para o Bolsonaro ficar em casa é outro [por sua idade e condição de saúde], não é pelo projeto.
P – A anistia é um pleito na Câmara há quase três anos, por que foi pautada agora? É uma fatura da aprovação da PEC da Blindagem, tem a ver com a eleição de 2026?
PF – Não, não tem a ver. Chegamos a um entendimento na Câmara de que a gente precisava pacificar o país e destravar a pauta. As pessoas estão discutindo, brigando. A gente precisa sair dessa discussão e ir para o mundo real.