SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Profissionais da atenção primária do SUS (Sistema Único de Saúde) vão passar a aplicar um teste de sinais de autismo em crianças de 16 a 30 meses como parte da rotina de avaliação do desenvolvimento. O atendimento ocorre em centros como UBS (Unidade Básica de Saúde) e USF (Unidades de Saúde da Família) e faz parte da nova linha de cuidado para o TEA (Transtorno do Espectro Autista) lançada pelo Ministério da Saúde na quinta-feira (18).

Com a aplicação do M-Chat, teste de triagem para identificar sinais de autismo nos primeiros anos de vida, profissionais de saúde poderão encaminhar crianças e orientar famílias sobre os estímulos e intervenções necessários.

A nova linha de cuidado orienta gestores e profissionais de saúde sobre como deve funcionar a rede, da atenção primária aos serviços especializados, com foco no rastreio precoce e início imediato da assistência. Segundo o ministério, o documento foi elaborado a partir de amplo diálogo com sociedade civil, estados e municípios.

Na prática, a nova medida institui que mesmo antes do diagnóstico, os profissionais da atenção primária poderão iniciar estímulos e intervenções em crianças com sinais de TEA, como dificuldade de comunicação, pouco contato visual, interesses restritos ou movimentos repetitivos. A ação visa favorecer o desenvolvimento da comunicação, da interação social e da autonomia futura.

“[A nova linha de cuidado] reforça o papel da Atenção Primária em Saúde, que tem a missão de oferecer cuidado integral, enxergando a criança como um todo, no núcleo familiar, na comunidade e na relação com a escola”, afirmou o ministro Alexandre Padilha durante o anúncio no Centro Educacional de Audição e Linguagem Ludovico Pavoni, em Brasília.

A nova linha de cuidado para pessoas com TEA também prevê orientação parental, grupos de apoio e capacitação de profissionais da atenção primária para estimular práticas no ambiente doméstico que complementem o trabalho multiprofissional, com o objetivo de reduzir a sobrecarga familiar e promover vínculos afetivos saudáveis.

Para Guilherme de Almeida, autista, pesquisador na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) na área de educação inclusiva e presidente da associação Autistas Brasil, a unificação da linha de cuidado encerra a fragmentação entre saúde mental, voltada a diagnósticos e acompanhamento médico, e reabilitação, voltada a terapias, estimulação e desenvolvimento de habilidades.

Almeida aponta pontos importantes do documento, como o reconhecimento do direito de gestantes autistas a um pré-natal humanizado, inclusão de cuidadores sobrecarregados como sujeitos de cuidado e a afirmação de que o autismo não tem cura e nenhuma metodologia é absoluta. No entanto, ele alerta que, na prática, essas declarações só têm efeito se vierem acompanhadas de investimento e formação adequada de profissionais.

O pesquisador também aponta lacunas no texto divulgado: não há informações detalhadas sobre terapias com comprovação científica, mecanismos de responsabilização em caso de falhas na rede, desigualdade territorial que deixa muitos municípios sem centros de referência e planos de financiamento e metas de expansão.

“O desafio, portanto, não é apenas normativo, mas político: garantir que a linha de cuidado não seja apenas um mapa de intenções, e sim um instrumento de justiça cognitiva, capaz de transformar a experiência concreta das famílias e das próprias pessoas autistas”, afirma.

Além de protocolos bem desenhados, almeida destaca que o país ainda convive com filas de três a quatro anos para atendimento. Segundo ele, a “promessa da intervenção precoce perde sentido quando a porta de entrada do SUS está trancada”.

A linha de cuidado anunciada reconhece que “o cenário nacional ainda evidencia desigualdades no acesso a serviços especializados, carência de profissionais qualificados e uma necessidade urgente de articulação entre os diferentes níveis de atenção e setores envolvidos no processo de cuidado”.

Durante o anúncio da nova linha de cuidado a pessoas com TEA, o Ministério da Saúde anunciou 71 novos serviços para fortalecer a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência e o atendimento a pessoas com autismo em 18 estados e o Distrito Federal, com um gasto de R$ 72 milhões. Estão previstos novos CERs e ampliação dos existentes. Hoje, a rede pública de reabilitação conta com 326 centros e repasses federais de mais de R$ 975 milhões por ano.