MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – Um conflito entre indígenas e não indígenas no município de Humaitá, no sul do Amazonas, terminou com um homem morto e outro ferido após uma flechada, segundo confirmou a SSP-AM (Secretaria de Estado de Segurança Pública do Amazonas). O local fica no quilômetro 45 da BR-230, conhecida como Transamazônica, e também na BR-319, área com histórico de tensão. Ninguém foi preso.
O laudo sobre a causa da morte de José Aílton deve sair em dez dias. O conflito ocorreu na segunda-feira (15) no rio Maici Mirim, afluente do rio Madeira, onde fica o Território Indígena Pirahã, um povo considerado de recente contato que mantém seu modo de vida tradicional e evita convívio com a sociedade não indígena.
A secretaria informou que, por se tratar de território indígena, o caso deve ser investigado pela Polícia Federal procurada, a corporação não respondeu. A Funai, em Brasília, respondeu que acompanha o caso com o MPI (Ministério dos Povos Indígenas) e que aguardava informações.
Caçadores e coletores, os pirahãs, em sua maioria, não falam português e vêm sofrendo com falta de alimentos no território. A língua pirahã é considerada uma das mais complexas.
Segundo boletim de ocorrência registrado pela tia de dois sobreviventes, a casa do agricultor José Ailton Teodoro dos Santos (fora do território dos pirahã) foi invadida por indígenas que teriam roubado comida e roupas.
Ainda com base no registro policial, os quatro homens decidiram ir atrás dos indígenas para recuperar o que foi roubado, usando uma embarcação de pequeno porte, e foram atacados a flechas. O boletim de ocorrência não detalha se a flechada ocorreu dentro do território indígena
O agricultor Roney Vieira dos Santos foi atingido por uma flecha, mas conseguiu escapar e foi levado ao hospital. Os outros três pularam no rio. Horas depois, o corpo de José Ailton foi encontrado no rio Maici com marcas de golpes e sangue na cabeça.
Por telefone, o agricultor Enedino Florentino da Silva, 42, nega que tenha ido atrás dos indígenas. Ele disse que conseguiu se esconder na floresta com o filho até o grupo de cerca de dez indígenas deixar o local e que viu o companheiro ser atingido pela flecha e depois com um facão.
“Canoa, motosserra, eles levaram tudo. Eu e meu filho nos salvamos. Quando fugi, vi o pirahã chegar perto dele e ainda cortar na cabeça com facão”, conta Enedino.
O agricultor afirma que os pirahãs já roubaram algumas vezes as comunidades ribeirinhas, mas que nunca houve ataque violento. “A Funai tem que tomar providências. Nós queremos segurança”.
A coordenadora do departamento de mulheres indígenas da Opiam (Organização dos Povos Indígenas do Alto Madeira), Apoliana Jiahui Pirahã, cuja mãe é jiahui e o pai pirahã, afirma que desde agosto as saídas em busca de alimentos fora do território vêm se tornando mais frequentes na etnia.
Ela critica o tratamento da Frente de Proteção Etnoambiental Madeira-Purus (FPE) ao território do povo pirahã.
“A gente vem avisando: tem que ver o que está acontecendo, não é assim que se trabalha com o povo pirahã”, afirmou.
Uma indigenista, que trabalhou com os pirahã por três anos e pediu para não ser identificada, afirma que esse povo é pacífico e só ataca em revide. Para ela, as disputas políticas por cargos na Funai e Frente de Proteção fragilizaram a atenção aos pirahãs que sofrem com escassez de alimentos no território.
A indigenista conta que muitos foram inscritos no bolsa família, mas, como se mantém fiéis aos seus modos de vida, suas carteiras ficam com outras pessoas e os alimentos não chegam como deveriam no território.
Apoliana, da Opiam, também critica a política com os pirahãs. “Eu sou contra cesta básica. Arroz e feijão não é alimento para o povo pirahã. O essencial deles é o peixe, a farinha, a carne. Essa época de seca aqui para nós é severa. A escassez de alimentos está crítica dentro do território”, disse.
As duas temem represálias dos não indígenas contra indígenas. Em grupos de WhatsApp, vídeos com o cadáver sendo retirado do rio após o ataque circulam com áudios de promessas de revide contra. Moradores do local chegaram a fechar a BR-230 por algumas horas em protesto, na terça-feira (16).
A SES (Secretaria de Estado de Saúde do Amazonas) informou que, segundo o Hospital de Humaitá, Roney foi submetido a uma cirurgia após o ferimento com flechas e que o quadro dele é estável.