SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Aguinaldo Silva diz gostar tanto de trabalhar que aceitou reatar com a Globo mesmo após o divórcio conturbado que tiveram há cinco anos. De volta ao canal que o consagrou como um dos maiores novelistas do país, ele escreve agora “Três Graças”, que substitui “Vale Tudo” na faixa das nove em outubro.
Rico e à beira dos 80 anos, Aguinaldo decidiu à época que saiu da empresa que tentaria sossegar e se aposentar. Mas na prática isso foi difícil. Sua rotina pouco mudou ele seguiu acordando cedo todos os dias para se sentar diante do computador e escrever alguma história.
“É um vício terrível, nunca consegui superar”, ele diz, por videochamada, durante uma pausa do serviço no meio da tarde. “Não quero sucesso nem dinheiro. Quero trabalhar, senão eu morro.”
Criador de clássicos da teledramaturgia como “Tieta” e “Senhora do Destino”, além de coautor da versão original de “Vale Tudo”, o dramaturgo assina agora sua 16ª novela, que deve estrear no dia 20 do mês que vem.
“Três Graças” segue a história de três mulheres de uma mesma família que engravidam na adolescência. Dira Paes interpreta Lígia das Graças, que teve a filha Gerluce aos 16 anos. Já adulta, Gerluce, vivida por Sophie Charlotte, também engravida quando jovem. Quando a filha dela, Joélly, passa pela mesma situação, Gerluce decide romper o ciclo para garantir que a menina não abandone sonhos para cuidar do bebê.
Aguinaldo diz que as personagens são inspiradas em Jane, Silbene, Nanci e dona Claraíde, cuidadoras das casas que ele tem em São Paulo e no Rio de Janeiro. “É sobre mulheres que saem às cinco da manhã para pegar três ônibus para trabalhar e mesmo assim não se queixam. São alegres, para cima, bem-humoradas.”
O dramaturgo imaginou a história ao visitar uma maternidade do Rio de Janeiro, onde se deparou com uma fila enorme em plena madrugada. Um colega perguntou se ele via algum homem, mas não havia quase nenhum. “Fiquei estarrecido e decidi que um dia escreveria sobre aquelas meninas.”
Isso foi em 2007. A vontade voltou nos últimos anos, enquanto escrevia um suspense policial. Estudando o texto, Aguinaldo notou que aquelas mulheres surgiram no meio da trama, um tanto deslocadas. Aí ele transformou o rascunho num melodrama e ouviu de um agente que deveria tentar vendê-lo à Globo.
Aguinaldo já havia superado a mágoa com a emissora. Ele deixou a empresa reclamando de falta de tato na forma burocrática como seu contrato de 48 anos fora encerrado, como disse à época. A saída aconteceu no rastro de um fracasso de audiência no horário nobre, com a novela “O Sétimo Guardião”.
“Foi uma questão mercadológica”, ele diz. “Não havia razão para me manter. Eu fui o primeiro dispensado de um grupo enorme de autores, diretores e atores que estavam contratados sem fazer nada.”
De fato, poucos meses após sua saída, a Globo desmanchou acordos fixos que mantinha havia décadas com vários dos seus medalhões, como Renato Aragão, Gloria Menezes e Antonio Fagundes.
Aguinaldo é de uma geração de autores que ganhavam salários altíssimos, numa época em que novelas tinham quase o triplo da audiência de hoje. O livro “Gilberto Braga: O Balzac da Globo”, de Artur Xexéo e Mauricio Stycer, lembra que, em meio a uma investida de Silvio Santos para levar os autores da Globo para o SBT, em novembro de 1996 Aguinaldo integrava uma lista de autores que passou a ganhar R$ 53 mil por mês, o que hoje seria o equivalente a cerca de R$ 467 mil.
Aguinaldo mesmo diz que os pagamentos agora são mais justos. “Eu sabia que ganhávamos valores absurdos porque vim do jornalismo. Mas alguns dos meus colegas não concordavam comigo. Pensavam até que podíamos receber mais.”
Dinheiro deixou de ser uma preocupação, diz ele, que hoje considera levar uma vida confortável, dividindo-se entre o Brasil e a casa que tem em Lisboa, onde passou boa parte do tempo nos últimos anos. “Trabalho por necessidade espiritual, não financeira.”
Ao oferecer “Três Graças”, Aguinaldo ouviu do diretor dos Estúdios Globo, Amauri Soares, que a empresa queria retomar a parceria, só que no esquema de um contrato feito por obra, como acontece com a maioria dos funcionários da emissora hoje. Era o que o autor queria também, ele diz.
“Semanas depois a coisa já estava caminhando. Me assustou, porque não tenho mais idade para escrever 180 capítulos. Mas vou em frente. Posso me tornar um velhinho amanhã, mas ainda não sou.”
Antes da Globo, no entanto, Aguinaldo procurou a concorrência. Ele ofereceu “Três Graças” a várias plataformas de streaming, que não lhe davam resposta. Isso antes de a novela “Beleza Fatal” virar fenômeno nas redes sociais e um dos títulos nacionais mais comentados da HBO Max.
Aguinaldo, aliás, diz que amou “Beleza Fatal”. Ele atribui o sucesso ao elenco de atores que vieram da Globo e à trama rápida, de apenas 40 capítulos, muito menos do que as novelas de TV aberta. “Gostei dessa condensação, dá mais intensidade. Se me pedirem uma curta desse jeito, eu faço.”
Mas por ora vai se ater ao formato tradicional. Em “Três Graças”, Aguinaldo se afasta do realismo mágico, que marcou sua obra embora tenha dado errado em “O Sétimo Guardião”, para fazer um embate clássico entre mocinha pobre e vilã rica.
A megera da vez é Arminda, papel de Grazi Massafera, dona de uma mansão onde Gerluce, a protagonista, trabalha. Lá ela descobre um esquema de falsificação de remédios que prejudica a mãe e outras pessoas doentes da favela onde vive.
O cenário é Chacrinha, uma comunidade fictícia em São Paulo, que a Globo construiu enviando seu elenco e equipe de produção até a capital paulista para gravar em ruas reais de bairros da periferia.
Escrever sobre São Paulo é uma novidade para Aguinaldo e também algo incomum na faixa das nove da Globo. A última trama ambientada na cidade foi “A Dona do Pedaço”, de 2019. O pedido veio dos executivos do canal, conta o autor, sem explicação do porquê. Ele diz ter acatado de bom grado, porque ao longo da vida criou uma relação próxima com a capital paulista.
Nos bastidores, no entanto, o movimento é visto como uma tentativa da Globo de se aproximar mais daquele que é considerado o principal mercado publicitário do país e que tem sido mais difícil para a emissora fazer sucesso evidência disso é o remake de “Vale Tudo”, que tem uma média de 23 pontos de audiência em São Paulo e 28 no Rio de Janeiro..
A Chacrinha onde Gerluce mora é, segundo Aguinaldo, um microcosmo do Brasil, bem no estilo dos polos fictícios que ele criou em sua obra para condensar a sociedade do país todo a exemplo de “Roque Santeiro”, de 1985, que se passa na cidade fictícia Asa Branca, e “Tieta”, reprisada este ano no Vale a Pena Ver de Novo, que mostra uma população moralista na inventada Santana do Agreste.
Aguinaldo fez isso também em “Vale Tudo”, de 1988, que escreveu com Gilberto Braga e Leonor Bassères. Retrato da desigualdade social brasileira e um deboche à elite, a novela se tornou uma das mais emblemáticas da TV.
Aguinaldo diz que não acompanha a nova versão se está mergulhado numa trama, evita ver outras para não bagunçar suas ideias. Mas acompanha o fenômeno que a novela se tornou nas redes sociais, principalmente o de Odete Roitman, antes vivida por Beatriz Segall e agora por Debora Bloch.
A fama da vilã é tamanha que, segundo uma pesquisa do Datafolha que acaba de ser divulgada, apenas 4% do público quer que ela seja assassinada, cifra que era de 38% em 1988, segundo o mesmo instituto. Para o autor, isso está relacionado à maneira como Bloch recriou a personagem.
“Beatriz Segall criou Odette como se ela fosse um robô treinado para praticar maldades. O penteado, a mecha de cabelos que se destacava, tudo contribuía para essa visão da personagem. Já Débora passa a impressão de que Odete está apenas se divertindo quando é má, mas, na verdade, ela não leva a sério a própria maldade. Sem deixar de ser crítica, ela humanizou a personagem”, diz ele.
A pesquisa mostrou ainda que um a cada três brasileiros está assistindo “Vale Tudo”. Aguinaldo sabe que tem a missão de prender a atenção da audiência que a novela formou, diz não estar exatamente tranquilo com a tarefa, mas quer pagar para ver. “Sei que está na moda falar mal, mas não me incomodo com isso”, afirma. “Desde que comentem, né? A pior coisa que existe é a paz dos cemitérios.”
TRÊS GRAÇAS
– Quando Estreia no dia 20 de outubro
– Classificação Não informada
– Autoria Aguinaldo Silva
– Elenco Alana Cabral, Dira Paes e Sophie Charlotte
– Produção Brasil, 2025
– Onde ver Globo e Globoplay
– Direção artística Luiz Henrique Rios