SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O STF (Supremo Tribunal Federal) começa nesta sexta-feira (19) a julgar o cálculo da aposentadoria por incapacidade permanente do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social, antiga aposentadoria por invalidez após a reforma da Previdência de 2019. Os ministros vão decidir se regra, que reduz o valor, é constitucional.
A emenda constitucional 103, de 13 de novembro de 2019, definiu que a aposentadoria por invalidez deve ser calculada em 60% da média salarial mais 2% a cada ano extra que ultrapassar o tempo mínimo. O redutor é o mesmo aplicado às demais aposentadorias da Previdência Social.
Quando houver invalidez por acidente de trabalho, doença ocupacional ou doença do trabalho, o cálculo deve ser de 100% sobre a média salarial. O caso está sendo julgado no tema 1.300, que tem repercussão geral, o que significa que o que for definido valerá para todos os processos do tipo no país.
Além de questionar a constitucionalidade do redutor, a ação também aponta que, com a regra, aposentados por invalidez ganham menos do que quem recebe auxílio-doença, um benefício temporário, cujo cálculo é 91% da média salarial ou das últimas 12 contribuições, o que for menor.
O julgamento tem início às 11h, no plenário virtual da corte, e a previsão é que chegue ao final na próxima sexta-feira (26), às 23h59, caso não haja pedido de vista quando se solicita mais tempo para analisar o processo ou de destaque, que leva a ação a ser julgada no plenário físico.
O caso que chegou ao STF é de um aposentado do Sul do país, que argumenta ter tido o cálculo da reforma aplicado à sua aposentadoria por invalidez de forma errada, já que a incapacidade que deu origem ao benefício foi identificada em maio de 2019.
O cidadão se aposentou por incapacidade permanente em 2021, após passar dois anos recebendo o auxílio-doença. Na ação, argumentou que recebeu valor maior ao estar afastado de forma temporária do que quando foi aposentado por invalidez pelo INSS.
Segundo a PGR (Procuradoria-Geral da República), que representa o governo na Justiça, a questão em discussão diz respeito à constitucionalidade do artigo 26 da emenda 103, “de modo a determinar se a aposentadoria por incapacidade permanente decorrente de doença grave, contagiosa ou incurável deve ou não ser paga de forma integral”.
Em seus argumentos, defende a constitucionalidade da reforma, alegando que as mudanças foram feitas para garantir o equilíbrio financeiro e atuarial do sistema previdenciário, que enfrenta déficit, e diz que a alteração foi uma decisão legítima do Poder Legislativo.
Para o advogado João Badari, do escritório Aith, Badari e Luchin, que atua como amicus curiae (amigo da corte) pelo Ieprev (Instituto de Estudos Previdenciários), a mudança trazida pela reforma da Previdência de 2019 é uma “injustiça cometida pelo aposentado por invalidez com doença grave”.
“Não é normal uma pessoa com câncer avançado, com metástase, receber um benefício 31% menor do que aquele que foi afastado do trabalho por ter uma fratura, por exemplo”, afirma.
“Isso fere até a lógica securitária. Como pode um benefício temporário ser maior do que o permanente? Para a pessoa receber um benefício integral tem que trabalhar 40 anos. Quem com incapacidade trabalha por 40 anos contribuindo? Ninguém.”
CÁLCULO DA PENSÃO POR MORTE
O cálculo da pensão por morte, que também passou a ter redutor de 60% após a reforma da Previdência, foi usado pela PGR como exemplo de regra constitucional aprovada pelo STF em julgamento em 2023. Na ocasião, o Supremo validou o redutor.
Pela regra atual da pensão, quem fica viúvo tem direito de receber 50% do benefício do segurado que morreu, caso estivesse aposentado, ou da aposentadoria por invalidez a que o segurado teria direito, mais 10% a cada dependente, até o limite de 100%.
Uma viúva sem filhos, por exemplo, é considerada dependente do segurado e, por isso, recebe um valor mínimo de 60%. O cálculo vale para mortes a partir de novembro de 2019, quando a reforma passou a valer.
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ENTENDA O CASO
O QUE STF IRÁ DECIDIR SOBRE A APOSENTADORIA POR INVALIDEZ?
Os ministros do Supremo irão decidir se a regra de cálculo da reforma da Previdência de 2019, que aplica redutor na aposentadoria por incapacidade permanente, antiga aposentadoria por invalidez, é constitucional.
Além disso, deverá dizer se aposentadoria por invalidez decorrente de doença grave, contagiosa ou incurável deve ser integral.
Também irá decidir se é constitucional o aposentado por invalidez receber valor menor do que quem tem auxílio-doença, que é um benefício temporário.
QUAL É A REGRA DE CÁLCULO DA APOSENTADORIA POR INVALIDEZ?
Para incapacidade permanente após 13 de novembro de 2019, data em que a reforma da Previdência passou a valer, o cálculo é de 60% da média salarial mais 2% a cada ano que ultrapassar 20 anos de contribuição.
Nos casos de invalidez por doença do trabalho, doença ocupacional ou acidente do trabalho, o valor do benefício é de 100% da média salarial.
COMO ERA O CÁLCULO ANTES DA REFORMA DA PREVIDÊNCIA?
Antes da reforma da Previdência, o segurado que se aposentava por invalidez recebia como aposentadoria 100% da média salarial. Para calcular a média, o INSS considerava os 80% maiores salários de contribuição e descartava os 20% menores.
COMO O INSS CALCULA A MÉDIA SALARIAL?
Após a reforma da Previdência, o cálculo da média salarial é feito sobre todos os salários de benefício pagos desde julho de 1994, data em que entrou em vigor o Plano Real. Os salários pagos anteriormente, em outras moedas não entram no cálculo da média salarial
Antes, até 13 de novembro de 2019, a média salarial era calculada sobre os 80% maiores salários após julho de 1994. Os 20% menores eram descartados pelo INSS, fazendo com que a média salarial ficasse um pouco maior.
QUAL O CASO QUE CHEGOU AO STF?
O caso foi iniciado pelo aposentado Artur Oreles de Medeiros, que pediu na Justiça a revisão de sua aposentadoria por incapacidade permanente. Ele recebia auxílio por incapacidade temporária (auxílio-doença) desde 30 de maio de 2019, antes da reforma da Previdência.
O benefício foi convertido em aposentadoria por incapacidade permanente em 7 de junho de 2021, já sob a vigência da nova regra. O segurador argumentou que o fato gerador do benefício (o início da incapacidade) ocorreu antes da reforma e, portanto, ele teria direito às regras mais vantajosas da legislação anterior.
Além disso, afirma que a nova fórmula de cálculo resultou em um valor de aposentadoria menor do que ele recebia como auxílio-doença, o que violaria o princípio da irredutibilidade do benefício.
O QUE DIZ A JUSTIÇA?
A sentença da primeira instância julgou o pedido procedente. O juiz entendeu que o cálculo da aposentadoria deveria seguir a lei vigente na data em que a incapacidade começou, que foi antes da emenda constitucional 103, de 2019.
A decisão aplicou a regra antiga, que previa o pagamento de 100% do salário de benefício na conversão do auxílio-doença em aposentadoria por invalidez.
O INSS recorreu e na Segunda Turma Recursal do Paraná teve seu pedido negado. Os ministros declararam a inconstitucionalidade da nova regra, sob o argumento de que ela cria “antinomia normativa”. Isso porque a nova regra faz com que o benefício para uma incapacidade permanente seja menor que o benefício para uma incapacidade provisória, contrariando a lógica do sistema previdenciário e ferindo o princípio da isonomia.
O QUE DIZ O INSS?
Após perder em primeira e segunda instância, o INSS apresentou recurso extraordinário ao STF, argumentando que a reforma é constitucional. Segundo a PGR, que representa o instituto, as mudanças foram feitas para garantir o equilíbrio financeiro e atuarial da Previdência.
Além disso, afirma que a emenda foi aprovada pelo Legislativo e deve ser respeitada em nome da separação de poderes.
A PGR diz ainda que não há violação de princípios como isonomia, razoabilidade ou irredutibilidade dos benefícios, nem retrocesso social, pois o núcleo essencial dos direitos foi mantido, já que o segurado não pode receber valor menor do que o salário mínimo em hipótese nenhuma.
Argumenta ainda que a diferença de valor para benefícios decorrentes de acidente de trabalho (que recebem 100%) é justificada, pois estes estão ligados à responsabilidade do empregador, enquanto outras doenças graves são da “ordem natural da vida”.
O QUE DIZ O IEPREV?
O Instituto de Estudos Previdenciários apresentou memorial no qual argumenta haver distorções com a regra trazida pela reforma da Previdência, ferindo princípios constitucionais.
Segundo o documento, na prática, o segurado que sofre de doença mais grave, definitiva e incapacitante, tem assegurado um benefício menor do que aquele que se encontra temporariamente afastado, em situação notoriamente menos severa.
“Um exemplo prático que demonstra essa anomalia: José, com 20 anos de pagamentos compulsórios ao INSS, está acometido de câncer, com metástase, e incapaz de forma total e permanente para o trabalho. Se a sua aposentadoria foi concedida após 13 de novembro de 2019, ela será de 60%. Agora no caso de João, que contribuiu cerca de dois anos ao INSS e quebrou a mão, seu benefício será calculado em 91%, ou seja, contribuiu 18 anos menos, tem uma incapacidade menos severa e temporária, recebendo 31% mais que José”, afirma.