BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – Acontece nesta sexta-feira (19) em Nova York o Brazil Climate Summit, fórum que reúne acadêmicos, empresários e investidores em busca de uma economia de baixo carbono que faça sentido econômico, mesmo que esse sentido exista apenas no futuro.
Luciana Antonini Ribeiro, sócia da eB Capital e idealizadora do evento na Universidade Columbia, comemora a quarta edição do encontro com mais de mil inscritos, dias antes da Semana do Clima nas Nações Unidas e a despeito do momento de conflito entre o Brasil e os EUA de Donald Trump. “O setor privado segue discutindo. Precisamos de constância”, afirma a executiva.
Palco em novembro da COP30, cercada de problemas de infraestrutura e ameaçada por retrocessos, como a ausência de uma delegação americana e uma Europa sem metas climáticas, o Brasil, diz Ribeiro, continua “um país de inúmeras potencialidades”.
Nesta entrevista, ela explica a visão otimista em um cenário internacional de incertezas. “Apesar do momento complexo, em todas as dimensões, a gente vê grandes oportunidades, notadamente para economias de baixo carbono, como o Brasil.”
CONJUNTURA
“A grande temática do momento, que estamos nos propondo a discutir, são as cadeias de valor. Cadeias resilientes de valor. Com todas essas movimentações geopolíticas, existem muitas incertezas, mas disso surgem também as oportunidades. E há uma oportunidade muito interessante para o Brasil de se posicionar nessa cadeia de suprimentos global a partir de um viés de emissões de baixo carbono.”
“Existe uma necessidade de produção de mais energia. Na nossa visão, energias baratas, com baixo impacto no meio ambiente e que são rápidas de produzir, são soluções importantes para o mundo.”
“Outro grande potencial problema e receio global é a cadeia de alimentos. O Brasil é um grande produtor, cada vez mais eficiente, com menor quantidade de solo e de forma mais sustentável.”
“Quando falamos de cadeia de suprimento, estamos falando de tudo aquilo que o Brasil tem a oferecer do ponto de vista de recursos naturais, mas que seja feito de uma maneira positiva para o meio ambiente e para a sociedade brasileira. Na discussão de minérios críticos, por exemplo, não ser simplesmente um extrator de minério, mas efetivamente um país que agrega valor à cadeia.”
“Apesar do momento complexo, em todas as dimensões, a gente vê grandes oportunidades e a necessidade de coerência e constância no discurso.”
CENÁRIO INTERNO
“O Brasil se desenvolveu muito nos últimos anos. A gente teve um avanço regulatório importante na temática do clima, a lei dos combustíveis do futuro, o marco do carbono, o próprio plano de transição energética.”
“Houve inúmeros movimentos do ponto de vista de financiamento, que também dão guarida à questão climática. O Eco Invest, que foi lançado pelo Tesouro em conjunto com o Banco Interamericano de Desenvolvimento; todas as iniciativas do BNDES, também focadas em clima.”
“Existe um contexto interno interessante para atrair investidores estrangeiros. Alguns pelo viés de sustentabilidade do clima, alguns pelo viés da própria oportunidade que esse rebalanceamento das cadeias oferece.”
BRASIL E EUA
“As relações continuam existindo. Os diálogos a respeito de cadeias de suprimento estão acontecendo. Acho que a gente precisa entender as oportunidades, os setores onde elas fazem sentido.”
“É uma agenda relevante, tem uma constância, por isso estamos na quarta edição [do evento em Nova York]. Existe um engajamento da iniciativa privada em prol da discussão da cadeia dos suprimentos, da discussão do clima. O setor privado segue discutindo.”
CENÁRIO EXTERNO
“Colocamos todos os temas embaixo do guarda-chuva do clima, mas sempre foram relevantes e ainda mais agora. Usar as vantagens econômicas de sermos um país sustentável por natureza é muito válido.”
“Todos os países estão discutindo a necessidade de mais energia e que venha de formas sustentáveis, do ponto de vista de rapidez de implementação e mesmo custo. A discussão, seja por quem tem um olhar mais focado em sustentabilidade, seja por quem não tem, continua importante.”
“Ainda que exista postergação, muitos países continuam tendo as metas climáticas como elemento central. Você deve ter visto, um grande fundo de pensão holandês recentemente fez um movimento importante em relação a uma firma de investimentos global [tirou recursos da BlackRock] por entender que a temática do clima não estava sendo avaliada.”
RISCO E ADAPTAÇÃO
“Não podemos esquecer que o tema do clima, além das oportunidades, tem um elemento central de risco que não pode deixar de ser considerado. O mundo, no ano passado, perdeu bilhões de dólares em eventos extremos climáticos, dos quais apenas um terço estava segurado. O restante foi prejuízo efetivo. Sem falar dos prejuízos indiretos.”
“Por acaso, sou gaúcha. O Rio Grande do Sul teve um prejuízo efetivo com a perda de maquinários, tudo aquilo que ficou debaixo da água, perda direta. E teve toda uma perda indireta de empregos que não foram renovados, de dificuldades que não podem ser desconsideradas. A mudança do clima talvez tenha saído de algumas agendas, mas os extremos climáticos e os prejuízos que estão surgindo disso são efetivos.
“Nós vamos precisar adaptar o nosso modelo de vida, o nosso modelo de operar a uma situação de clima extremo. Mitigação e adaptação são importantes, mas nenhuma delas anda sozinha.”
COMPETITIVIDADE
“O Brasil tem capacidade de contribuir de forma muito relevante, especialmente na mitigação de outros países. A ex-ministra Izabella Teixeira tem uma frase que eu gosto muito, ela diz que a transição é uma temática de desenvolvimento do país. É um modelo de desenvolvimento econômico. Acrescento, ainda que esteja embutido na fala dela, é um modelo de competitividade.”
“O mundo precisa de mais alimento, com melhores custos. Isso passa por eficiência, sustentabilidade. O mundo precisa de mais energia. A energia sustentável é a energia mais interessante. Nós temos aqui um conjunto de elementos que deveriam ser utilizados para o Brasil se posicionar de uma forma muito competitiva do ponto de vista global.”
OPORTUNIDADE
“Não há dúvida de que está havendo um reajuste das cadeias globais. E isso gera oportunidade especialmente para os países que o pessoal gosta de chamar de ‘middle powers’, os caras do meio do caminho, porque eles têm uma maior neutralidade.”
“As economias de baixo carbono são fundamentais, mas como fazer essas realocações de cadeias utilizando o que o Brasil tem de positivo? Quando a gente fala de biocombustíveis, o Brasil é um grande player e pode ocupar os espaços que vão se abrindo. Um exemplo bem concreto: combustível de navio. Existe agora um movimento importante para que os navios usem biocombustíveis. O Brasil é um país que produz muito biocombustível e tem uma vantagem comparativa e competitiva nesse aspecto.”
“Há tecnologias que, mesmo aprovadas do ponto de vista tecnológico, ainda não fazem sentido econômico, como o hidrogênio verde. Da mesma maneira como os painéis solares no passado eram caros. Aí você tem que usar um outro viés de investimento, de pesquisa e desenvolvimento, aprimorando a tecnologia até ela dar um jeito. A queda de preço dos painéis solares nos últimos 50 anos é abissal; fazem muito sentido econômico hoje.”
“Teve um período em que a energia nuclear teve problemas, acidentes, mas a tecnologia avançou muito. Hoje você vê vários novos projetos nesse setor, porque faz sentido econômico e porque a tecnologia foi desenvolvida e garante mais segurança.”
INVESTIMENTO
“Talvez o pêndulo do clima tenha ido muito para o extremo ativista. Nem tudo faz sentido econômico; aquilo que faz, vai ser incorporado; o que não faz sentido, precisa de desenvolvimento.”
“Há diferentes tipos de dinheiro dispostos a desenvolver tecnologias. Você tem o dinheiro puramente comercial, que quer ser remunerado; você tem o vindo de bancos de desenvolvimento que também precisam ser remunerados, mas com outro viés, desenvolvimentista; e você tem os buckets de dinheiro concessionais, que são as fundações, os departamentos de pesquisa e desenvolvimento de companhias, que servem de colchão para atrair os dinheiros de viés financeiro.”
“Tirar do papel soluções com um só tipo de dinheiro não faz sentido.”
“Existe um esforço do nicho do clima de trazer a discussão para o mainstream, pois é lá que há um grande volume de capital. Um excelente exemplo de blended finance é o Eco Invest, o modelo do Tesouro com o BID. O último leilão teve um resultado absurdo, bilhões de reais [mais deR$ 17 bilhões]. Tem o capital que está disposto a ganhar menos para garantir que determinadas áreas vão ser desenvolvidas e tem o capital que nem sabe onde está investindo. Todos os bancos privados brasileiros entraram.”
“A turma do nicho, de finanças climáticas, está chegando a um nível de maturidade de instrumentos que é capaz de atrair os diferentes tipos de capital para permitir soluções já viáveis economicamente ou que vão ficar viáveis no curto prazo.”
O EVENTO
“Nós achávamos que o Brasil tinha uma vantagem comparativa em relação a outros países na temática de transição para uma economia de baixo carbono. Nós tínhamos uma percepção de que, além de atuar com a redução de emissões, fazia muito sentido que o Brasil usasse essa oportunidade de desenvolvimento de cadeias mais verdes para ter um protagonismo, atuar como uma espécie de hub de soluções para os demais países. No lugar de pensar Brasil para Brasil, a gente queria pensar em Brasil para fora.”
“A temática do clima é não só uma temática, entre aspas, de sustentabilidade, é também de desenvolvimento econômico, de competitividade entre países. A gente queria um espaço para o Brasil ter esse posicionamento. Nesses últimos quatro anos, a gente tem feito exatamente isso.”
“Não adianta nós, brasileiros, irmos para Nova York para falar com outros brasileiros. Nós precisamos dos brasileiros relacionando-se com o público gringo. Precisamos, como se diz por aí, ‘fit the purpose’ (adequado ao propósito).”
“O embaixador André Corrêa do Lago, presidente da COP30, fechará o nosso encontro com um bate-papo. Ele é nosso convidado desde o primeiro evento que organizamos. Como eu disse antes, o importante é a constância.”