SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O plenário da Câmara Municipal de São Paulo aprovou nesta quarta-feira (17) o projeto de lei que institui a “semana de conscientização sobre a síndrome pós-aborto”.
O PL 69/2025, de autoria da vereadora Sonaira Fernandes (PL), Rubinho Nunes (União) e Ely Teruel (MDB) foi aprovado com 29 votos favoráveis e nove contrários. Para ser chancelada em definitivo pela Casa, precisa passar por nova discussão e votação. Depois, vai para sanção do prefeito Ricardo Nunes (MDB).
O projeto prevê que as ações devem ser realizadas na mesma semana do dia 8 de outubro, em que se comemora o “Dia Nacional pelo Direito à Vida”, diz o documento. O objetivo é conscientizar a população da cidade sobre “as consequências psicológicas que acometem a mulher após a realização de procedimentos abortivos.”
O dispositivo determina que deverão ser distribuídas à população “cartilhas informativas sobre os riscos e consequências psicológicas do abortamento” e prevê que os últimos dois dias deverão ser reservados para a realização de atendimentos terapêuticos para as mulheres que desejarem. O projeto engloba atendimento para pessoas que sofreram “aborto espontâneo ou provocado”.
A sessão que tratou do assunto foi marcada por confusão e gritaria. Aqueles que se opuseram ao projeto, entre eles a vereadora Luana Alves (PSol), afirmam que não existe o termo “síndrome pós-aborto”.
O projeto é interpretado como uma forma de criar barreiras ao aborto legal, por desinformar quem busca o direito, e não tem base científica, uma vez que uma “síndrome pós-aborto” não é reconhecida pela OMS (Organização Mundial de Saúde).
Uma campanha assinada por mais de 20 entidades se posiciona contra o projeto, entre elas Anistia Internacional, Coletivo Feminista Sexualidade e Saúde, grupo Curumim, Nem Presa Nem Morta, Instituto Lamparina e Católicas pelo Direito de Decidir.
Segundo a vereadora Sonaira Fernandes, o projeto foi apresentado porque “as demandas chegaram até ela, meninas que passaram pelo procedimento abortivo e foram abandonadas à própria sorte”, disse. “Eu apenas quero uma semana de conscientização pela síndrome pós-aborto”, afirmou.
Na justificativa do PL, os autores afirmam que este “é um tema frequentemente negligenciado em discussões públicas, que muitas vezes priorizam aspectos ideológicos em detrimento do bem-estar real das mulheres.”
No Brasil, o processo é autorizado apenas em casos de gravidez decorrente de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia do feto.
Estudos publicados já apontaram que o procedimento de indução ao aborto não tem impacto negativo na saúde mental. Um dos mais recentes mediu o impacto do aborto em gestantes nos Estados Unidos.
Durante oito anos, a pesquisadora Diana Greene Foster, professora da Universidade da Califórnia em São Francisco (EUA), fez 8.000 entrevistas com mais de 1.100 mulheres grávidas que desejavam realizar o aborto. O resultado da pesquisa, publicado em livro no ano passado no Brasil pela editora Sextante, foi de que abortar não faz mal à saúde mental das mulheres e o sentimento que prevalece é o alívio, não o arrependimento.
A pesquisa engloba mulheres que conseguiram abortar e aquelas tiveram o procedimento negado pelo sistema de saúde americano e, pelo controle de variável, o estudo chega perto do que se pode considerar padrão ouro, de acordo com especialista ouvida pela Folha de S.Paulo.
O evento acontece na esteira de um movimento da prefeitura e do governo do estado contra o aborto legal. Em março deste ano, a Folha de S.Paulo noticiou que o Governo de São Paulo sediou na Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência o 2º Congresso Internacional Vida e Família, que prega o fim do direito ao aborto mesmo em casos de estupro, risco de morte para a gestante e anencefalia, condições que são previstas na legislação.
Já a prefeitura fechou, ainda em 2023, o serviço de aborto legal no Hospital Municipal e Maternidade Vila Nova Cachoeirinha, instituição que era referência no atendimento. Desde então, houve uma redução na quantidade de abortos realizados em unidades de saúde municipais na capital paulista.
O aborto tem sido uma das pautas centrais no Legislativo brasileiro nos últimos anos. Em maio deste ano, a Câmara Municipal do Rio de Janeiro aprovou um projeto de lei que determinou a colocação de cartazes com dizeres que tinham como objetivo desestimular o aborto legal em hospitais, clínicas de planejamento familiar e outros estabelecimentos de saúde municipais.
No entanto, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro suspendeu os efeitos da lei municipal 8.936/2025. A decisão cautelar foi após um pedido do Ministério Público do estado, que ajuizou uma representação por inconstitucionalidade contra a lei.
Em 2024, tramitou no Congresso Nacional um projeto de lei conhecido como PL Antiaborto por Estupro. O texto do PL 1904/24 equiparava o aborto acima de 22 semanas, em caso de gestação resultante de estupro, ao crime de homcídio tanto para as mulheres quanto para os profissionais de saúde.
Ele chegou a ter o regime de urgência aprovado na Câmara dos Deputados em junho do ano passado, mas se tornou rapidamente impopular e terminou não sendo votado no plenário da Casa uma pesquisa Datafolha realizada na época mostrou que 66% dos brasileiros eram contra a mudança na lei.
Após sofrerem um revés histórico na tramitação do projeto de lei, membros da bancada conservadora contrária ao procedimento realinharam a estratégia para tentar aprovar projetos que aumentem penas para médicos, poupando as gestantes.