BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Na noite desta quarta-feira (17), o documentário “Aqui Não Entra Luz”, da diretora Karol Maia, teve a recepção mais calorosa do público do 58º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Durante os créditos finais, os aplausos se estenderam conforme os letreiros diziam como estão, hoje, as personagens ouvidas no filme.
O longa escuta cinco empregadas domésticas uma das quais, Miriam, é a mãe da diretora. A figura do quarto de empregada na arquitetura brasileira é explorada enquanto rastro de uma sociedade escravagista hoje. Elas vêm de estados marcados pelo usa de mão de obra forçada no período colonial e do Império Maranhão, Bahia, Minas Gerais e Rio de Janeiro.
A diretora, que também aparece em cena ao lado da mãe, opta por não se estender em relatos de sofrimento. Mesmo tratando de um tema pesado, o filme conseguiu despertar gargalhadas na plateia em certos momentos, tamanho era o carisma das figuras.
“Eu me apaixonei por cada uma delas por razões muito diferentes, porque eu estava justamente buscando alguma coisa que as diferenciasse no sentido subjetivo. Eu não estava procurando só histórias de trabalhadoras domésticas que dormiram num quartinho, eu estava procurando boas personagens”, diz Karol Maia, em entrevista coletiva, nesta quinta (18).
“Temos momentos em que a gente precisou, sim, falar de coisas mais duras e difíceis”, afirma a diretora. “Mas há outra complexidade que trabalhei muito para chegar.” Ela tem a ver com vaidade, dignidade, autorrespeito, capacidade de agência, segundo a cineasta. São sutilezas que aparecem no filme, por exemplo, quando a mineira Rosarinha surge tímida, mas imponente, com uma toalha enrolada na cabeça como quem está em um spa luxuoso.
O longa foi precedido por dois curtas. O primeiro, “A Pele do Ouro”, produção de Roraima, também arrancou demorados aplausos da plateia. No filme dirigido por Marcela Ulhoa e Yare Perdomo, a imigrante venezuela Patri narra em “portunhol”, e em primeira pessoa, fragmentos dos diários escritos por ela.
Os relatos de Patri, que também assina o roteiro e a direção de arte, tocam em temas como a prostituição, a maternidade e o garimpo em Roraima, mas com uma linguagem sutil. “Que nossas vozes de mulheres cheguem alto”, disse Patri, que não conseguiu conter o choro antes da exibição do curta.
O segundo curta exibido na noite foi “Cantô Meu Alvará”, do mineiro Marcelo Lin, sobre a vivência de duas jovens no aglomerado da Serra, em Belo Horizonte.
Assim como em todas as sessões do festival, a seleção de filmes da noite da quarta foi pautada por um tema específico que une as três obras exibidas. Desta vez, a tônica se voltou para aqueles que costumam ser enquadrados como periféricos, destacando o olhar de imigrantes, de uma categoria profissional precarizada ou de uma perspectiva autoral de dentro da favela e não de um observador que vem de fora.
Na noite anterior, na terça (16), a sessão foi dedicada a narrativas que discutem conservadorismo e repressão na cultura nordestina. O curta baiano “Couraça”, de Susan Kalik e Daniel Arcades, acompanha três cangaceiros que vagam pelo sertão após o massacre do bando de Lampião, do qual faziam parte.
“Boi de Salto”, do Piauí, curta-metragem de Tássia Araújo, narra a história de um jovem que sonha em dançar de salto alto num tradicional grupo de Bumba-Meu-Boi.
O longa da noite foi “Corpo da Paz”, de Torquato Joel, sobre um garoto numa pequena cidade do sertão paraibano, que recebe a visita de um misterioso voluntário americano da agência Peace Corps, durante a ditadura militar.
O filme explora a dualidade entre desejo e repressão em duas instâncias, segundo o diretor. De um lado, há a interferência americana no interior do país que ameaça de forma sutil a soberania brasileira, na figura do americano que analisa os recursos naturais da região e tenta entender os modos de produção daquele povo.
Em paralelo, há o processo de crescimento do garoto que protagoniza a trama, da descoberta e da exploração da sexualidade e também do pensamento crítico. Esse processo vem acompanhado da repressão, sobretudo na figura da mãe conservadora, munida de um arsenal de culpa católica e um medo de “o que os outros vão pensar”.