SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O palco está vazio, mas, ao fundo, onde eram esperados espelhos giratórios, despontam quatro telões de LED. Ao som da voz do ator Raul Gazolla, surgem imagens em preto e branco de bailarinos em trajes de ensaio, que se aquecem para as audições de um espetáculo.
Quando os acordes da música “I Hope I Get It”, que reflete a ansiedade daqueles candidatos, se espalham pelo teatro, um facho de luz ilumina a presença dos jovens em cena, iniciando a montagem paulistana de “A Chorus Line”, clássico da Broadway que estreia no Teatro Villa-Lobos.
“Os telões conferem um toque de modernidade sem desrespeitar o original, que pede espelho. O elenco aparece no momento mais icônico da coreografia quando todos se viram para a plateia”, diz Bárbara Guerra, diretora e coreógrafa da nova versão. Bailarina de formação, ela vivenciou diversas audições até se tornar produtora de grandes musicais, ao lado do sócio e companheiro Júlio César Figueiredo.
Com os vídeos, Barbara pretende que o público viaje pelos bastidores por meio das imagens captadas em tempo real pelos próprios atores. “O telão mostra uma mescla de transmissão ao vivo com cenas pré-gravadas enquanto acontece a seleção. Mas a montagem é fiel ao espírito do original”, garante.
Concebido, coreografado e dirigido originalmente por Michael Bennett, “A Chorus Line” estreou em 1975 no Shubert Theatre, em Nova York, e logo estabeleceu um novo olhar para os musicais da Broadway. “Pela primeira vez, o coro de bailarinos, normalmente em posição secundária, se tornou protagonista”, afirma Miguel Falabella, autor da nova versão em português. “Foi meu trabalho mais difícil. O maior desafio foi manter o rigor da métrica e as sílabas tônicas.”
O enredo acompanha a audição em um teatro vazio, liderada por Zach, papel de Gazolla, que dirige um novo musical da Broadway. Dezessete bailarinos disputam oito vagas no elenco, mas são surpreendidos com um pedido incomum: em vez de apenas demonstrarem técnica, precisam expor quem realmente são. A partir daí, cada candidato revela memórias, conflitos e descobertas. “A Chorus Line” ganhou notoriedade ao recompensar as contribuições e os sacrifícios dos dançarinos do conjunto, tornando-os as estrelas.
À medida que Zach retira um por um da fila para aprender mais sobre eles, o público se envolve com as especificidades de suas histórias. Como eles começaram a dançar? Quem os atrapalhou? Por que eles continuaram? “A fragilidade de cada um reflete as nossas próprias”, diz Gabriel Malo, que vive Paul, rapaz que revela sua trajetória de autodescoberta sexual, marcada pelo preconceito e pela rejeição familiar.
Já Val desafia os padrões estéticos impostos às mulheres no teatro musical, situação semelhante vivida por sua intérprete, Carol Costa. “Desde pequena, quando comecei no balé clássico, sempre ouvi que tinha de emagrecer. E continuo ouvindo isso ao tentar determinados papéis”, afirma. “Val quer ser vista, reconhecida. Se vivesse no Brasil, lutaria para estar no ‘Big Brother’ e depois tentaria um papel na novela.”
Neta dos consagrados Paulo Goulart e Nicette Bruno, Paula Messa parece ser a escolha natural para o papel de Cassie, a talentosa dançarina que tenta voltar ao coral após fracassar como atriz. “Procuro honrar minha linhagem artística cuidando dos detalhes da interpretação”, diz a atriz.
“Chorus Line” também comove quando um dos dançarinos machuca o joelho ao ensaiar uma coreografia de sapateado e os outros cantam a melancólica “What I Did for Love”, canção gravada por estrelas tão estilisticamente diversas quanto Aretha Franklin, Bing Crosby, Grace Jones, Petula Clark e Peggy Lee.
Mais que diretor do espetáculo, Zach se mostra uma espécie de analista freudiano ao desenterrar confissões normalmente reservadas aos divãs dos psiquiatras. O papel, aliás traz o perfil de seu criador, Michael Bennett, que entrevistou diversos atores e bailarinos para transformar o microcosmo de um coro no macrocosmo de várias gerações.
“A história do espetáculo é a mesma de muitos bailarinos que estão nesta montagem porque, nas audições, a fragilidade está sempre à mostra”, diz Gazolla, 70 anos, que foi convidado por um motivo especial: ele esteve presente na primeira montagem profissional de “A Chorus Line” no Brasil, em 1983.
Produzido por Walter Clark, que foi um executivo do alto escalão da TV Globo, o espetáculo foi dirigido pelo americano Roy Smith e contou com Millôr Fernandes como autor da versão em português. “Naquela época, os artistas tinham mais garra que técnica, apenas alguns eram bailarinos, o restante aprendeu nos três meses de ensaios graças aos ensinamentos de Smith”, conta Gazolla, aprovado por seu histórico de capoeirista e bailarino amador.
Composto por 30 atores, o elenco lançou nomes como Claudia Raia, Totia Meirelles, Guilherme Leme, Thales Pan Chacon, J.C Violla e Alonso Barros, entre outros. “Minha inscrição era a de número 001, entre 1.500 candidatos”, relembra Raia, então com 17 anos. “No teste, falei ao Clark que queria o papel da Sheila, sarcástica, insolente, mas perdi para Clarisse Abujamra, que era atriz de fato. Só fiquei com o papel porque ela não aceitou o cachê.”
Com uma produção arrojada para a época, o pioneiro “A Chorus Line” custou o equivalente a R$ 6,5 milhões atuais, enquanto a atual montagem foi autorizada a captar via leis de incentivo cerca de R$ 7,6 milhões, valor relativamente baixo se comparado às montagens de grande porte de hoje.
“Mas ressignificou a carreira daqueles profissionais, com a maioria seguindo o teatro musical”, conta Bárbara, que pretende homenagear os veteranos em uma sessão especial, no dia 24, quando devem entrar no número final, “One”, que celebra tanto o espírito de grupo como a individualidade.
Chorus Line
Quando Qui., sex. e sáb., às 20h; Sáb., às 16h; Dom., às 15h30 e 19h00; Até 14/12Onde Teatro Villa Lobos – Shopping Villa Lobos – Av. Dra. Ruth Cardoso, 4777, SPPreço De R$ 45 a R$ 320Classificação 12 anosAutoria Michael BennettElenco Raul Gazolla, Paula Miessa e Carol BotelhoDireção Bárbara Guerra