SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – À primeira vista, as três estruturas em formato hexagonal parecem apenas piscinas incrustadas às margens do mar das ilhas Canárias. No entanto, um observador mais atento notará que elas são mais do que isso. Além de oferecer lazer, esses espaços protegem comunidades contra o avanço das marés e, de quebra, oferecem um habitat para espécies marinhas.
Embora ainda não tenha saído do papel, o projeto poderá ser visto a partir desta quinta-feira (18) na Bienal Internacional de Arquitetura de São Paulo, em cartaz na Oca, no parque Ibirapuera. Intitulado “LIFE COSTadapta”, a obra sintetiza o mote de uma exposição voltada à criação de estratégias arquitetônicas para um planeta às voltas com as mudanças climáticas.
Não à toa, a edição deste ano foi batizada de “Extremos: Arquitetura para um Mundo Quente.” É uma proposta que se soma a outras iniciativas que jogam luz sobre a questão ambiental. No mesmo parque Ibirapuera, a Bienal de São Paulo, por exemplo, tensiona a relação muitas vezes predatória que o ser humano estabelece com a natureza. Proposta parecida pode ser vista no Masp, onde está em cartaz a exposição “Histórias da Ecologia”.
Apesar desse contexto pouco animador, a Bienal de Arquitetura não se entregou ao pessimismo. Por esse motivo, os 179 projetos presentes na mostra se debruçam não apenas sobre os problemas, mas também sobre as soluções.
“A gente aponta um caminho de esperança, evidenciando que podemos promover mudanças por meio do trabalho nas cidades, nas comunidades e nos ecossistemas não urbanos”, diz Renato Anelli, um dos seis curadores da mostra.
“É uma primeira resposta dos arquitetos, urbanistas e paisagistas sobre o que pode ser feito para enfrentar os impactos das mudanças climáticas.”
O tom propositivo da exposição pode ser sentido em uma obra de Shigeru Ban, arquiteto japonês ganhador do prêmio Pritzker, a láurea máxima da arquitetura mundial. Usando tubos de papel, Ban projetou uma casa de quatro metros quadrados para abrigar de forma temporária pessoas desalojadas por desastres ambientais.
Esse, porém, não é o único trabalho que nasceu a partir de eventos extremos. Em 2024, escolas do Rio Grande do Sul perderam móveis em razão das enchentes que devastaram o estado. Uma das unidades afetadas foi o colégio Ana Neri.
Pensando nisso, o escritório Sauermartins criou uma grande carteira escolar feita com madeira de eucalipto. A solução emergencial agradou os alunos e foi integrada de forma definitiva na rotina dos jovens.
Embora boa parte dos trabalhos busque mitigar a crise ambiental, o modo como fazem isso não é consensual. “A Bienal é uma arena em que há contradições, conflitos e também aspectos complementares”, diz Anelli. “Existem muitas formas de pensar uma solução para o mesmo problema.”
A necessidade de tornar a construção civil mais sustentável é um desses desafios que geram múltiplas respostas. Há quem aposte na substituição do concreto pelo cânhamo, nome popular da planta Cannabis ruderalis. É o caso do escritório EcoSapiens, que levou à bienal tijolos de cânhamo. Essa estratégia já é uma realidade na construção civil de países como a Espanha.
Por outro lado, existem trabalhos que se voltam às comunidades tradicionais para encontrar alternativas sustentáveis. No Pará, por exemplo, a palmeira miriti é usada na confecção de brinquedos, prática que se tornou patrimônio imaterial do estado. Aos poucos, porém, essa planta passa a ganhar outros usos.
Um dos participantes da bienal, o artesão Joel Silva começou a trabalhar com esse material em Abaetetuba, a cerca de 100 km de Belém. Primeiro, ele se dedicou à confecção de embalagens. Depois, passou a desenvolver chapas de compensado. “A partir daí, as possibilidades se ampliaram. Quando entendi que esse material é multifacetado, passei a procurar parceiros na arquitetura para fazer outros projetos.”
Encontrou essa parceria no escritório Guá Arquitetura, dos arquitetos Luis Andre Guedes e Pablo do Vale. O resultado do trabalho pode ser visto na bienal, onde o trio expõe um lounge construído com ripas de miriti.
“A primeira vantagem desse material é que nenhuma árvore é cortada. Apenas os galhos são utilizados”, diz Do Vale. “Além disso, é um substituto das madeiras tradicionais e ainda é uma forma importante de fazer projetos alinhados ao conhecimento ancestral. Para a gente, a arquitetura do futuro está no passado.”
A julgar pelos projetos da bienal, esse futuro está também na interação com a natureza. O escritório chinês Open Architecture levou essa premissa a novos extremos em 2018. À época, eles inauguraram um museu enterrado sob as dunas de Beidaihe, na China. Um dos destaques da exposição, o projeto faz lembrar uma cidade subterrânea, à maneira dos povoados de filmes distópicos.
“É um trabalho bastante integrado à natureza e que tem muito a nos ensinar”, afirma Anelli, o curador da mostra. “As obras desse escritório são inovadoras do ponto de vista formal e apontam caminhos para os quais nós não estamos acostumados.”
O arquiteto chinês Kongjian Yu também assina obras que exploram a relação entre arquitetura e o meio ambiente. Além de dar uma palestra na abertura da bienal, Yu exibe projetos baseados em seu conceito de cidades-esponja, ou seja, metrópoles em que o planejamento urbano é pensado para reter e reutilizar a água, evitando inundações.
São trabalhos distantes da ideia de progresso que ganhou força a partir da revolução industrial. Nesse período, o objetivo era fazer a natureza se curvar diante dos desígnios humanos, mesmo que o resultado disso fosse a degradação ambiental. A partir dos anos 1970, no entanto, estudos acadêmicos passaram a mostrar que esse tipo de desenvolvimento não levaria a humanidade ao progresso, mas sim à catástrofe ambiental.
“A visão de que nós não fazemos parte da natureza e, portanto, podemos explorá-la à vontade é a mudança que precisa ser feita. Caso contrário, não haverá condição de sobrevivência”, diz Anelli.
Outro curador da bienal, Clevio Rabelo acrescenta que arquitetos podem ser aliados importantes dessa mudança de perspectiva. “A arquitetura sempre foi uma mediação, funcionando como elo entre as coisas. Ela pode desempenhar exatamente o papel de reconectar o homem à natureza, atuando como uma interface entre as pessoas e o meio ambiente.”
BIENAL DE ARQUITETURA DE SÃO PAULO
Quando Até 19 de outubro. Ter. a dom., das 10h às 20h
Onde Parque Ibirapuera – av. Pedro Álvares Cabral, s/n, portão 2
Preço Gratuito
Classificação Livre