SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Condenada em 2015 na lei de drogas por tráfico e associação ao tráfico, Fabrícia Leal deixou a cadeia em 2022, após conseguir progredir de regime. Mesmo tendo trabalhado antes de ir presa, teve dificuldades de conseguir um emprego, até que uma empresa de transporte a contratou como fiscal de linha.
Atualmente, ela mora de favor em uma casa numa comunidade da zona leste de São Paulo. Fabrícia sempre trabalhou nas unidades em que esteve presa. Ela considera que só foi aceita na empresa em que trabalha hoje pela boa relação que teve durante outro período de trabalho na mesma companhia, na década passada.
Quando recebeu o primeiro pagamento, um pouco mais de um salário-mínimo, foi fazer uma compra no mercado e descobriu, como outras pessoas que cumpriram pena, que devia ao Estado o pagamento de uma pena de multa. No seu caso, R$ 26,9 mil, cujo valor foi fixado em 2020.
Com pouco para se manter, Fabrícia teve um pedido de extinção da pena de multa levado à Justiça por meio do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). A organização levou o caso ao TJSP alegando que ela não teria como arcar com o valor por não ter bens e por causa de sua baixa renda.
Apesar disso, o Ministério Público recorreu, e o tribunal manteve a execução. A organização, então, foi ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) junto de outras -o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), a Conectas Direitos Humanos, a Associação de Familiares e amigos/as de presos/as e internos/as da Fundação Casa (Amparar) e o Instituto Pro Bono, que atuam como amigos da corte (amicus curiae) no processo. Em decisão monocrática de 12 de junho de 2025, o ministro Sebastião Reis Júnior acolheu o pedido e destacou a comprovação de hipossuficiência.
Mas em julho passado, o Ministério Público paulista recorreu da decisão sob o argumento de que só seria possível extinguir a pena de multa após o cumprimento da pena privativa de liberdade. Como Fabrícia ainda cumpre a pena até 2030, atualmente no regime aberto, isso não seria possível. Essa leitura do caso se baseia, segundo a Promotoria, no Tema 931 julgado anteriormente pelo STJ, que estabelece precedentes para casos semelhantes. O mesmo tema foi usado no argumento do IDDD pela extinção da pena de multa.
Também segundo a Promotoria paulista, o MPF (Ministério Público Federal) defendeu a mesma tese pela manutenção da execução da multa.
O caso agora pode ter uma retratação do próprio ministro ou ser encaminhado ao colegiado, embora não haja prazo para isso. Se o julgamento confirmar a decisão, segundo o IDDD, o caso abre um precedente considerado inédito por permitir a extinção da pena de multa enquanto a pessoa ainda cumpre pena.
Na prática, evitaria o que o instituto chama de “limbo jurídico-social” em que egressos que já cumpriram a pena em regime fechado, mas que continuam sem acesso a benefícios sociais e com a pena em aberto enquanto não pagarem a multa.
No caso de Fabrícia, o instituto estima que ela levaria 11 anos para ela pagar toda a dívida.
O tempo na prisão entrou no meio do seu convívio familiar. O filho mais velho dela é dependente químico, e o mais novo não quer contato com a mãe. Fabrícia diz que não se vitimiza, mas que foi presa por causa do que chama de escolhas erradas. “Fui presa em setembro de 2011, era casada com um cara envolvido no crime. Ele saiu e a vida dele continuou.”
Durante o período em que ficou presa Fabrícia perdeu todos os dentes superiores e chegou a tentar suicídio duas vezes.
Durante esse período, foi ajudada pela mãe, e diz que o Estado não oferece meios para a chamada ressocialização. “É formação de bandido lá dentro para depois cobrar aqui fora.”
Uma vez por mês, Fabrícia comparece ao Fórum para assinar a presença e tenta recomeçar a vida. Ainda não sabe como ajudar o filho mais velho com algum tratamento. Como foi presa por associação, até hoje sequer sabe da quantidade de droga que levou à sua condenação.
“Nunca consegui benefício nenhum, nem para pôr um dente na boca, estou na fila de espera há dois anos. Se dessem algum apoio para recomeçar, eu até diria ‘pode descontar’.”
“Não me justifico por ter sido presa, fiz escolhas erradas”, ela diz. “Mas não dá também para querer me derrubar mais do que já estou caída.”