SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A presença da mineração em uma cidade pode aumentar o custo de vida da população local em até 10% quando comparado com cidades não mineradas com economias semelhantes, sendo que em alguns setores o aumento é próximo de 30%. A constatação é de um estudo feito pelo Ipead, instituto de pesquisas econômicas ligado à UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), sob encomenda da Amig, associação que reúne os municípios minerados do país.
Os setores que mais apresentaram diferença nos preços, segundo o estudo, foram habitação, vestuário, saúde e despesas pessoais. A última foi a que registrou as maiores variações e inclui custos com empregados domésticos, hospedagem e cigarro. Os dados foram coletados em março, a partir de visitas a 873 estabelecimentos e 2.352 cotações de preço.
Para chegar aos valores, os pesquisadores separaram todos os municípios de Minas Gerais e do Pará -os principais estados minerados do país- em três grupos, considerando 14 variáveis, incluindo população, PIB, escolaridade, saúde, saneamento e setores econômicos que mais empregam.
A partir disso, os pesquisadores selecionaram um município minerado de cada grupo: Parauapebas (PA), Mariana (MG) e Conceição do Mato Dentro (MG), respectivamente dos grupos 1,2 e 3. Para fazer a comparação entre os preços, eles também selecionaram os municípios não minerados que mais tinham semelhança com os escolhidos inicialmente, fechando a comparação entre Parauapebas (PA) e Belém, Mariana (MG) e João Monlevade (MG) e Conceição do Mato Dentro (MG) e Extrema (MG).
Na comparação de preços, foram consideradas nove categorias de produtos e serviços, sendo todas incluídas no cálculo do IPCA feito pelo IBGE. São elas: alimentação e bebidas, habitação, artigos de residência, vestuário, transportes, saúde e cuidados pessoais, despesas pessoais, educação e comunicação.
Chama atenção, por exemplo, o fato de que alimentos e bebidas em Parauapebas, uma cidade do interior do Pará, são 8% mais caros do que em Belém, a capital do estado. Já os vestuários são 30% mais caros na primeira e as despesas pessoais, 36%. Os moradores de Parauapebas pagam menos do que os de Belém apenas em comunicação e, mesmo assim, só 0,8%.
Parauapebas é a principal cidade minerada do Pará e abriga o principal complexo minerário da Vale em todo o mundo. Em 2024, por exemplo, a mineradora extraiu na cidade 88 milhões de toneladas de minério de ferro, quase 30% de toda a sua produção.
Já Mariana abriga minas importantes da Vale e da Samarco. Na cidade, de acordo com os pesquisadores do Ipead, as maiores diferenças de preços estão nos setores de habitação e despesas pessoais, com variação de 27% e 24%, respectivamente, em relação aos preços de João Monlevade, uma importante cidade do interior de Minas Gerais -parte da produção de aço da ArcelorMittal no Brasil acontece lá. Dentro do setor de habitação, estão os custos com aluguel, combustíveis e energia elétrica residencial.
Não há nenhuma categoria em que os moradores de Mariana pagam menos do que os de João Monlevade.
Por fim, a pesquisa encontrou grandes diferenças nos preços de artigos de residência, despesas pessoais e saúde e cuidados pessoais entre Conceição do Mato Dentro e Extrema. A primeira abriga o principal complexo de minério de ferro da Anglo American, segunda maior mineradora em atuação no Brasil. Já a segunda cidade é um grande polo industrial e logístico, principalmente devido à proximidade com o estado de São Paulo.
Os moradores de Conceição do Mato Dentro pagam 25% mais em despesas pessoais do que os de Extrema, além de 19% em saúde e cuidados pessoais e 16% em artigos de residência. Eles, no entanto, pagam menos em transportes e educação.
Quando se comparam as médias gerais (feitas a partir de pesos distintos entre as categorias, tendo o IPCA como parâmetro), o custo de vida em Conceição do Mato Dentro é 6,3% maior do que em Extrema. Já o de Mariana é 9,4% maior do que de João Monlevade e o de Parauapebas 10,2% maior do que o de Belém.
“Parece pouca a diferença, mas não é, porque estamos comparando cidades que têm pujança econômica semelhante. O aluguel em Extrema e em João Monlevade, por exemplo, também é alto e ainda assim há uma diferença grande”, diz Fabrício Missio, coordenador da pesquisa e presidente do Ipead. “Imagine, portanto, a diferença entre essa cidade e uma outra que não tenha a mesma pujança econômica.”
O alto custo de vida nessas cidades, de acordo com o pesquisador, se justifica principalmente pelo aumento repentino da população, além da concentração de funcionários com alta renda. “Os salários que estão diretamente ligados à mineração são mais altos, o que dá um poder maior de compra a esses trabalhadores e acaba pressionando os preços para cima,” afirma.
Justamente por isso, a variação dos preços detectada na pesquisa não afeta com a mesma intensidade toda a população. É comum no setor que funcionários das mineradoras recebam bons salários, participação nos lucros, planos de saúde e, em algumas regiões, até acesso a escolas particulares para seus filhos. Em Parauapebas, por exemplo, os altos servidores da Vale moram em um condomínio da mineradora longe do centro urbano. Por isso, os trabalhadores terceirizados e os moradores locais sem vínculo com a mineração são os que mais sofrem com esses preços.
“Além disso, se você ganha salário baixo, você já é uma população vulnerável, e, se parte desse salário você desperdiça com aumento de preço, significa que a sua vida está um caos. Com isso, você vai buscar suporte na prefeitura, o que significa que a mineração, além de elevar o custo de vida local, joga uma pressão para os serviços públicos”, afirma Missio.
Nessa linha, a pesquisa apontou que cidades mineradas dos dois estados têm mais mais demanda por internações, por mil habitantes, do que as não mineradas, assim como maior demanda por exames e atendimentos ambulatoriais. A maior demanda também se na dá na educação pública e assistência social.
De acordo com o presidente da Amig, Marco Antônio Lage, a mineração gera riqueza concentrada. “Esse cenário impõe uma sobrecarga aos municípios, que acabam arcando com a maior parte dos custos sociais relacionados à população de baixa renda, cada vez mais excluída pelos efeitos da concentração de renda gerada pela mineração e pelo aumento expressivo do custo de vida nessas localidades”, diz.
“O ciclo da mineração, quando não é acompanhado de planejamento urbano e políticas de diversificação econômica, aprofunda as desigualdades sociais e empurra os mais pobres para as margens da cidade e do consumo”, acrescenta.