SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A violência patrimonial, geralmente praticada por cônjuges ou companheiros durante o relacionamento ou após seu término, é um dos tipos de violência previstos na Lei Maria da Penha, e mulheres devem estar atentas a sinais desse tipo de abuso, que envolvem a gestão financeira da família e do patrimônio do casal.

Segundo o Ibdfam (Instituto Brasileiro de Direito de Família), essa agressão ocorre quando a parte econômica mais forte na relação abusa de seu poder sobre a administração dos bens comuns e não repassa os frutos desse patrimônio, o que gera uma situação de opressão.

As mulheres costumam ser as principais vítimas.

“Quando falamos de uma situação de violência doméstica, não há apenas a presença de um tipo específico de violência. De regra, há violências combinadas. No caso da patrimonial, é muito comum que ela aconteça com a violência psicológica”, afirma juíza Madgéli Frantz Machado, titular do 1º Juizado de Violência Doméstica e Familiar de Porto Alegre (RS).

Uma situação muito comum, segundo ela, é o confisco do aparelho celular do cônjuge ou exigência de ter acesso às senhas de aplicativos e redes sociais como um mecanismo de controle.

“O celular é um instrumento muito presente em situações de violência doméstica. Ele nos conecta com todo mundo o tempo todo, e uma das condutas do agressor é justamente evitar que a mulher tenha contato com outras pessoas, amigos, familiares”, afirma a juíza.

Agressores também costumam recusar-se a pagar pensão alimentícia aos filhos ou gastos básicos para a sobrevivência do núcleo familiar.

“Há situações em que o ex-parceiro, para se vingar da vítima, atrasa a pensão, porque ele sabe, por exemplo, que até tal dia a mãe tem que pagar a escolinha das crianças, mas todo mês ele apronta alguma coisa e a mulher fica sempre com aquela ansiedade, desespero, sem saber se vai conseguir arcar com o pagamento das despesas”, diz a juíza.

Pressionada por outras violências, a mulher acaba cedendo a pedidos, por exemplo, para colocar um bem no nome do marido, com a justificativa de que ele é a parte financeira do casal. “E também sempre sob o argumento de que aquele investimento não é para ele, é para a família, é para os dois, que planejam uma vida juntos”, diz a juíza.

COMO SE PROTEGER?

1. PONDERE DE ONDE SURGIU A DECISÃO

Para Ana Leoni, CEO da Planejar (Associação Brasileira de Planejamento Financeiro), a decisão de um parceiro assumir o papel de provedor não deve ser atribuída apenas à mulher, nem apenas ao homem, e é importante considerar o contexto familiar.

“É sempre uma decisão conjunta, do casal. O casamento é uma sociedade em que tudo é compartilhado -compromissos, responsabilidades e até as dificuldades”, afirma.

2. ENTENDA O REGIME DE BENS DO RELACIONAMENTO

A decisão sobre regime de bens pode impactar diretamente a segurança financeira da mulher. Ana Claudia Utumi, planejadora financeira da Planejar, lembra que muitas pessoas vivem anos em união estável e depois optam por se casar em separação total de bens, sem atentar para o que já foi construído em conjunto.

“Se houve união estável antes do casamento, o patrimônio adquirido nesse período pertence aos dois. Muitas mulheres acabam perdendo direitos por não formalizarem essa partilha antes da mudança de regime”, explica.

Mesmo em regimes como separação total, há direitos sucessórios em caso de falecimento de um dos cônjuges.

3. PLANEJE SUA INDEPENDÊNCIA FINANCEIRA ANTES DE PARAR DE TRABALHAR

A especialista diz que, sempre que possível, é importante preparar-se financeiramente. “Se eu paro de trabalhar por um, dois, três anos, é importante que eu tenha um patrimônio próprio, uma reserva que me permita tomar decisões sem depender integralmente do parceiro”, explica.

Carla Borges, coordenadora da comissão da mulher contabilista do CRCMA (Conselho Regional de Contabilidade do Maranhão), também acredita na importância da autonomia financeira. “Ela deve ter uma conta bancária própria, fazer uma poupança, um investimento, previdência privada ou manter bens em seu nome”, diz.

4. NEGOCIE UM RENDIMENTO PESSOAL

Segundo Carla, mesmo que a mulher opte por não trabalhar, é importante garantir um valor fixo mensal para cobrir gastos pessoais.

“Não é saudável que a mulher tenha de pedir dinheiro ao marido para cada despesa individual. Esse rendimento deve ser acordado desde o início do casamento, como parte do pacto de transparência financeira do casal.”

Rodrigo da Cunha Pereira, presidente do Ibdfam, conta a história de uma médica que queria parar de trabalhar por alguns meses para ter um filho e viajar com o marido. Em acordo judicial, porém, ela pediu uma espécie de salário ao cônjuge, para manter sua autonomia financeira.

“Ele achou que ela teria que agradecer, porque pagaria tudo e ela não precisaria se preocupar com as despesas, mesmo se ela cuidasse do filho”, diz. O casamento terminou, segundo ele.

5. CONHEÇA O FINANCEIRO DOMÉSTICO

Para Carla Borges, é fundamental verificar como os bens estão sendo registrados para evitar fraudes e perdas patrimoniais.

“É preciso acompanhar se os bens estão em nome do casal, e não de terceiros. Já atendi mulheres que, no divórcio, descobriram que o patrimônio estava todo registrado em nome de outra pessoa”, diz.

Ana Leoni, da Planejar, afirma que optar por uma dinâmica em que apenas um dos parceiros é o provedor não significa abrir mão da autonomia. “Dependência não significa alienação completa da situação financeira do casal”, afirma.

Segundo ela, é fundamental que, mesmo nesse formato, ambos tenham clareza sobre renda e despesas, já que o patrimônio é construído com a contribuição mútua, ainda que de formas diferentes.

“Se há uma assimetria de transparência e de acesso, já tem a violência patrimonial instalada. Não precisa ter um episódio concreto, só a ocultação da vida financeira já caracteriza a violência.”

6. MANTENHA-SE ATUALIZADO NO MERCADO DE TRABALHO

Caso a mulher decida voltar ao mercado de trabalho, não estará tão desatualizada e poderá retomar sua trajetória profissional.

“Você pode abrir mão da renda principal, mas não da sua autonomia. É importante manter algum papel ativo, seja em projetos sociais, voluntariado ou atividades paralelas que te mantenham em contato com o mercado e tragam senso de autoeficácia”, diz Ana Leoni.

7. SAIBA QUE É POSSÍVEL PEDIR PENSÃO MESMO SEM FILHOS

Em caso de separação, muitas mulheres acreditam que a pensão só pode ser requerida em nome dos filhos. Rodrigo, do Ibdfam, diz que além da pensão tradicional, existe a pensão compensatória, voltada para situações em que a mulher se afastou do mercado de trabalho para cuidar da família.

“Se ela sai do casamento apenas com patrimônio, sem renda, vai consumir tudo em poucos anos e ficará desamparada. A pensão compensatória ajuda a corrigir essa desigualdade e valorizar o trabalho invisível que ela desempenhou”, afirma.

8. CONHEÇA A LEI MARIA DA PENHA

Em qualquer suspeita de violência patrimonial, é possível pedir uma medida protetiva, segundo a juíza Madgéli.

O artigo 24 da lei ainda prevê que o juiz pode, liminarmente e com urgência, determinar a devolução de bens indevidamente subtraídos, a proibição temporária para compra, venda e locação de propriedade em comum, a suspensão de procurações e um depósito de dinheiro provisório por perdas e danos materiais decorrentes da prática de violência doméstica.

A advogada criminalista Ana Colombo afirma que, se a mulher se perceber nessa situação, o primeiro passo é encerrar a relação e buscar ajuda. “Pode ser na Defensoria Pública, no Ministério Público, em uma delegacia da mulher ou pelo Ligue 180, que tem abrangência nacional”, orienta.