BELÉM, PA (FOLHAPRESS) – As milhares de pessoas que passarem por Belém durante a COP30, a conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, terão a chance de ver de perto um artefato que simboliza a luta pela preservação ambiental no Brasil: o último facão de Tuíre Kayapó, a liderança indígena que adiou a construção da usina de Belo Monte.

A Casa Ikeuara da Amazônia, espaço de arte e cultura gerido por indígenas, apresenta a mostra permanente “Tuíre Kayapó: o facão é meu corpo e eu não tenho medo”, com objetos pessoais da ativista e obras que retratam sua trajetória. Ela faleceu em agosto de 2024, vítima de complicações de um câncer.

“Quando pensei em criar essa exposição, foi não só como homenagem, mas como forma de demarcar a história da importância que ela teve para a luta em defesa da floresta e do meio ambiente, e também para apresentar para a sociedade quem são nossos heróis”, diz Nice Tupinambá, curadora da Casa Ikeuara.

Em 1989, Tuíre encostou seu facão no rosto do então diretor da Eletronorte, José Antônio Muniz Lopes, durante um evento em Altamira. O gesto, em protesto contra o que era conhecido na época como o complexo de barragens de Kararaô (palavra kayapó que significa grito de guerra), ganhou repercussão internacional. Sua luta contribuiu para adiar a construção da hidrelétrica no rio Xingu, hoje chamada de Belo Monte, em quase 30 anos.

“O facão era um símbolo da Tuíre, ela andava com ele. Era uma forma de se expressar, não como arma, mas como sinal de respeito, luta e resistência, de chamar atenção para que uma mulher indígena pudesse ser ouvida”, afirma Nice, que se aproximou da líder do povo mebengokrê a partir de 2016.

Antes de morrer, Tuíre definiu sua sucessora: a neta Panhumti, hoje com 6 anos de idade, que herdará seu nome. Quando crescer, ela receberá o facão guardado na Casa Ikeuara para dar continuidade ao legado da avó.

Uma das obras presentes na exposição coloca as duas lado a lado. Enquanto Tuíre empunha o facão, Panhumti segura uma folha de espada-de-são-jorge. Outra tela retrata uma cena da marcha das mulheres indígenas, em Brasília, em 2021.

Nice Tupinambá afirma que a liderança soube da homenagem e ficou contente em ser retratada. A ideia inicial era inaugurar a mostra após sua recuperação da doença, mas isso não foi possível. “Guardei o projeto, esperei passar o luto e agora com a Casa Ikeuara resolvi fazer com apoio e autorização da família”, diz a curadora.

A mostra inclui ainda um vestido de Tuíre e um cocar que simboliza o povo kayapó. A exposição foi organizada com recursos da própria Casa Ikeuara –metade do valor arrecadado com os ingressos é revertida para a família da ativista e a outra parte é direcionada para a manutenção do espaço.

Nice planeja traduzir as legendas das obras para inglês e espanhol e diz que a expectativa é receber visitantes estrangeiros e brasileiros durante a COP30. “Em ano em que o mundo está olhando para a nossa cidade e para a amazônia, a gente queria ter um espaço em que a gente pudesse receber o mundo aqui e contar a nossa história como ela é”, diz.

A historiadora Lara Costa, do povo Tupinambá, fez as pesquisas para a exposição e reforça a importância de homenagear Tuíre durante a conferência do clima.

“Belém é uma cidade marcada por heróis não indígenas, heróis do povo que eram homens brancos”, afirma. “A Tuíre foi a maior liderança indígena mulher do Brasil e quando ela surge, dá uma resposta para a sociedade dizendo que esses espaços podem ser ocupados por mulheres indígenas.”

Segundo a curadora, novas exposições serão inauguradas até novembro. Uma delas retratará a vida de Isac Tembé, liderança assassinada no Pará, e outra abordará a trajetória do pajé Paulo Sérgio, que faleceu em 2024.