TIRADENTES, MG (FOLHAPRESS) – Mais de 5.000 quilômetros separam Tiradentes de Porto Príncipe, a capital do Haiti. Outros pontos as distanciam.
Com pouco mais de 7.000 habitantes, a cidade mineira mantém o clima sossegado, mesmo durante um festival como o Artes Vertentes, que vai até este domingo (21), reunindo música, literatura, teatro e cinema.
Essa tranquilidade é cada vez mais rara em Porto Príncipe. Menos pela diferença populacional entre as cidades, cerca de 2,5 milhões vivem na capital haitiana. Mais pela insegurança, considerando que as gangues controlam mais de 80% do território de Porto Príncipe, segundo a ONU.
Ao longo do festival em Tiradentes, o poeta e dramaturgo haitiano Jean d’Amerique tem aproximado essas duas realidades, abordando em seus livros e suas falas o cotidiano turbulento do seu país de origem.
D’Amerique e suas publicações desembarcam no Brasil pela primeira vez. Durante o evento mineiro, a editora Ars et Vita lança um volume com “Ópera Poeira” e “A Catedral dos Porcos”, dois dos seus textos para teatro. Também saem “Sol Descosturado”, seu primeiro e premiado romance, e “Algum País entre Meus Prantos” e “Rapsódia Vermelha”, obras de poesia reunidas no mesmo volume.
Em “Ópera Poeira”, o autor toma como ponto de partida a história de Sanite Bélair, uma integrante das forças revolucionárias haitianas que, em 1802, aos 21 anos, foi fuzilada pelos colonizadores franceses. Pouco mais de um ano depois, aconteceu a batalha que levou à independência do Haiti.
No sábado (13), Tiradentes viu “Ópera Poeira”, uma leitura cênica em que o papel de Bélair coube à cantora e atriz Juçara Marçal. No domingo, último dia do evento, o festival vai apresentar “A Catedral dos Porcos”, com interpretação de Artur Rogério.
Há momentos de humor na dramaturgia do haitiano, mas o que prevalece é o tom áspero e indignado. “Na preciosa escrita de Jean d’Amerique, a palavra vocalizada, afiada, cortante se torna um instrumento poderoso de denúncia, reflexão, contestação, de restauro e de esperança”, escreve a professora Leda Maria Martins no prefácio do volume de dramaturgia.
“O Haiti tem vivido um caos político nos últimos quatro anos”, afirma D’Amerique em referência ao agravamento da situação depois de 2021, quando o presidente Jovenel Moïse foi assassinado. A partir de então, as facções ganharam mais força, assumindo funções que antes eram do governo.
“Não consigo, por ora, ver um futuro para o meu país. A violência está chegando ao topo”, diz o autor de 30 anos à reportagem. Quase 350 pessoas foram sequestradas nos primeiros seis meses deste ano, segundo a ONU.
“O mundo deveria abrir os olhos para o que acontece no Haiti. Talvez a Europa e o Brasil pensem no Haiti como um país distante, mas são seres humanos em perigo”, afirma.
Foi a cultura hip-hop que levou D’Amerique para a literatura. Nascido na cidade litorânea de Côtes-de-Fer, mudou-se para Porto Príncipe no início da adolescência. “Comecei a ouvir rap aos 12 anos e tentava escrever imitando os rappers. Passei a compartilhar esses textos com meus amigos e professores, que me encorajaram a continuar.”
Na sexta (19), ele vai exibir sua veia hip-hop no festival. Estará ao lado do DJ francês Foltz.
Com a visibilidade conquistada por sua literatura, que tem rendido a ele cada vez mais convites para eventos, D’Amerique se mudou para França em 2019. Continua, porém, atento à vida no Haiti, como demonstram seus textos.
Encerrado o festival, ele inicia um giro pelo Sudeste. Vai lançar seus livros em Belo Horizonte, na segunda-feira (22); em Juiz de Fora (24); e no Rio de Janeiro (25). Estará na livraria Megafauna, em São Paulo, no dia 27.