BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A vida presta, o Oscar veio, filmes brasileiros são destaque em Cannes, Veneza e Berlim, fala-se em um novo renascimento do cinema nacional. No Congresso Nacional, porém, nada disso foi suficiente para que o audiovisual se tornasse pauta prioritária. A concorrência é acirrada, afinal não é todo dia que se condena um ex-presidente a 27 de prisão e se vota uma PEC que amplia o foro especial.
Entre representantes do setor audiovisual brasileiro, a sensação é de que a corrida pela regulamentação do streaming perdeu tração e de que o país está a um triz de perder uma janela de oportunidade.
Com o ano chegando ao fim, as esperanças que a regulamentação das plataformas de streaming seja votada ainda neste governo vão se esvaecendo.
“O meu sentimento é que se não for esse ano, a gente não regula nada. Ano que vem a gente tem o ano eleitoral, todo mundo fica contaminado por isso”, diz Joelma Gonzaga, secretária do audiovisual do Ministério da Cultura do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O streaming chegou ao Brasil há cerca de 15 anos. Diferentemente de outras modalidades de exibição, como salas de cinema e TV a cabo, as plataformas de VoD, ou vídeo sob demanda, não pagam a a Condecine, a Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional, revertida para o financiamento público das produções brasileiras.
Para muitos, a janela de oportunidade que se abriu no governo Lula para votar a pauta está se fechando, já que 2026 é ano eleitoral, o que dificulta a tramitação no Congresso.
“O que era uma janela de oportunidade neste governo está se transformando em um basculante. E daqui a pouco vai ser a fechadura da chave”, diz Gabriel Pires, da diretoria da Conexão Audiovisual Centro-Oeste, Norte e Nordeste.
“Se tivesse para o setor audiovisual algum tipo de Samu, eles iam encontrar a gente provavelmente num estado catatônico”, diz Pires. “De tanto que a gente vem falando da regulação do VoD e da necessidade desse governo tomar uma posição.”
O tema foi discutido na manhã desta quarta-feira (17), durante a primeira mesa da 5ª Conferência Audiovisual do Festival de Brasília, na capital federal.
“Ninguém aguenta mais falar disso. Os streamings não aguentam mais falar disso, por conta da insegurança jurídica. É insuportável montar uma operação no Brasil, para várias empresas multinacionais, onde não se sabe o que vai acontecer depois de amanhã”, diz Minom Pinho, diretora federal da Apaci, a Associação Paulista de Cineastas.
“A pauta mais importante do Ministério da Cultura do governo Lula 3 é a regulação do VoD. Estamos às vésperas de perder essa viagem”, diz.
Para ela, neste momento há duas opções para o Ministério da Cultura -jogar a toalha ou encampar a regulamentação do streaming como sua principal pauta. “Já deu. É muito tempo perdido”, diz Pinho.
Para a deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ), relatora do PL 2.331/2022, a crítica ao governo tem razão de ser. “Estamos há meses discutindo o tarifaço. Como proteger os setores econômicos, como enfrentar o problema dos exportadores. Café, carne, tecido, sapato. Mas e o audiovisual brasileiro?”
Segundo ela, falta ao núcleo principal do governo Lula o senso de urgência da pauta da regulamentação do streaming no contexto atual com o tarifaço de Trump. “Não se enfrenta uma tentativa de submissão de um governo externo sem a dimensão cultural”, diz Feghali.
“Será que isso não é uma resposta importante dizer às plataformas internacionais, que na grande maioria são americanas, de que nós vamos tributá-las em nome da soberania e do fortalecimento do audiovisual brasileiro?”, diz Feghali.
A secretária do Audiovisual, Joelma Gonzaga, justifica a perda de tração da pauta no Legislativo. “Nós [governo Lula] ganhamos a eleição, mas não ganhamos o Congresso. Tudo é muito desafiador.”
Ela pondera que há avanços, diz que o texto do PL relatado por Jandira está maduro e lembra que há a expectativa de que se aglutine esse PL a outro mais antigo, que já teve a urgência aprovada, o que, em tese, daria mais celeridade. Isso, porém, pode resultar na retirada de Jandira Feghali da relatoria. A deputada é vista como aliada do audiovisual independente.
A secretária afirma que o MinC defende a permanência de Jandira na relatoria ou de André Figueiredo (PD-CE), também vistos como pró-setor audiovisual. Se a relatoria não for para nenhum dos dois, “que não seja alguém distanciado da pauta”, diz.
A reportagem pergunta a Gonzaga se ela avalia se o PL do streaming é a pauta mais importante da cultura como um todo, não só do audiovisual. “Uma das pautas mais importantes da cultura, sim”, ela responde.
Segundo ela, o presidente da Câmara Hugo Motta (Republicanos-PB) firmou com o MinC o compromisso de votar em setembro o PL. A reportagem tentou contato com a equipe de Motta, mas não obteve retorno.