SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As plataformas Booking.com e Agoda veiculam anúncios de hotéis em Belém com diárias para a COP30 até 20 vezes mais caras que no período do Círio de Nazaré, segundo um levantamento da Defensoria Pública do Estado do Pará ao qual a Folha de S.Paulo teve acesso.
O aumento motivou uma ação civil pública movida pelo órgão contra os sites na última quinta-feira (11), em que são exigidas explicações. O caso tramita na 5ª Vara de Fazenda Pública de Belém.
A celebração em homenagem à Nossa Senhora de Nazaré é um dos principais eventos da capital paraense e atraiu 2 milhões de pessoas em 2024, segundo o governo estadual. Neste ano, a procissão acontecerá em 12 de outubro, com programações durante todo o mês. A conferência das Nações Unidas será realizada de 10 a 21 de novembro e tem público estimado em 50 mil visitantes.
A Defensoria considerou uma estadia de dez noites a fim de comparar as duas ocasiões: de 6 a 16 de outubro para o Círio e de 11 a 21 de novembro para a cúpula climática. As consultas foram feitas em 11 de setembro e envolvem acomodações iguais em ambos os períodos.
O hotel com maior aumento de preços anunciado no site Agoda é o Rede Andrade Hangar, localizado a menos de dois quilômetros do Parque da Cidade, a sede do evento da ONU.
No período do Círio, as diárias para um quarto com duas camas (“apartamento twin”) saem por R$ 5.143. A reserva custa R$ 105,9 mil durante a COP30, um aumento de 1.976%.
Este foi o único caso em que a Defensoria considerou quartos similares, mas não idênticos. A Folha de S.Paulo atualizou os valores para suítes da mesma categoria, após uma consulta ao site no último dia 16.
Uma segunda unidade, o Rede Andrade Docas, cobra R$ 6.870 na época da celebração religiosa. O valor sobe para R$ 62,7 mil nas semanas da conferência, ou nove vezes acima. A reportagem procurou a empresa por email e telefone. Não houve retorno até a publicação.
O hotel Saint Clara B anuncia na Agoda a reserva de diárias para o Círio por R$ 3.066 na categoria quarto duplo. Na COP30, a mesma acomodação sobe para R$ 23,9 mil, aumento de cerca de 679%. O estabelecimento não respondeu aos pedidos de comentário.
A reportagem procurou a Agoda por email, mas não teve respostas.
Na Booking.com, a pousada Marujus Cotijuba, localizada a 19 quilômetros do Parque da Cidade, oferta acomodação em quarto duplo por R$ 3.825 para o período do Círio. Uma suíte idêntica sai por R$ 35 mil nos dias da cúpula, ou nove vezes mais cara. Não houve retorno da empresa até a publicação.
O hotel Central, próximo à praça da República, cobra R$ 4.658 para reservas na plataforma durante a celebração religiosa em um aposento com uma cama de casal. O valor sobe para R$ 31,5 mil na época da conferência climática, um aumento de seis vezes.
A Booking.com afirma que está à disposição para colaborar com as autoridades e diz que não interfere nos preços das reservas: “Quem define e controla todas as políticas de preços são os próprios parceiros de acomodação que disponibilizam suas propriedades na plataforma”.
A Defensoria Pública mapeou outros cinco estabelecimentos com anúncios na Booking.com e na Agoda com diárias de quatro a seis vezes mais caras para a COP30 que para o Círio de Nazaré.
O Sistema Estadual de Defesa do Consumidor do Pará, composto por autoridades como a Defensoria, o Procon, o Ministério Público e a Procuradoria-Geral do Estado, formou um grupo de atuação conjunta para fiscalizar e notificar plataformas e hotéis em caso de cobranças abusivas para a COP30.
“Nós pedimos que eles [Booking.com e Agoda] notificassem os anunciantes de hotéis e pousadas para que propusessem a conformidade dos preços com o parâmetro de três vezes o valor da alta temporada, mas a resposta não foi satisfatória”, afirma Cássio Bitar, coordenador do Núcleo de Defesa do Consumidor e defensor público no Pará.
Segundo ele, caso os anúncios não sejam readequados, devem ser retirados de circulação. “As plataformas recebem um percentual sobre o valor da contratação, então, é justo que elas se impliquem no debate. Se for feita essa prática abusiva, elas terão benefícios e ganhos decorrentes disso”, diz.
A medida se baseia no entendimento de que Booking.com e Agoda são parceiras comerciais dos hotéis e devem respeitar o Código de Defesa do Consumidor. O Supremo Tribunal Federal já se manifestou de forma favorável à responsabilidade solidária das plataformas digitais em relação às práticas de anunciantes.
O Airbnb, por outro lado, vem colaborando com o poder público. A plataforma publicou nesta segunda-feira (15) um comunicado para orientar anfitriões que anunciam acomodações para a COP30.
A nota foi elaborada em conjunto com os órgãos de defesa do consumidor e diz: “As autoridades informam que a elevação do preço da acomodação sem justa causa pode caracterizar prática abusiva a depender do caso. A adoção dessa prática pode resultar em responsabilização civil dos usuários envolvidos”.
A plataforma recomenda a revisão dos valores para evitar que excedam as cobranças em acomodações similares na alta temporada. “A depender do caso, preços que excedam três vezes tal valor, sem uma racionalidade econômica ou jurídica”, afirma o comunicado.
Também orienta que não seja feita a cobrança de custos adicionais por fora dos canais oficiais e incentiva a permissão para reservas mais curtas, a fim de facilitar a permanência em apenas parte da cúpula.
O Airbnb concentra cerca de 26 mil leitos para o evento, segundo a própria empresa afirmou à Defensoria em agosto, a organização da COP30 calculava 22,4 mil vagas. Segundo Bitar, a conscientização de que práticas abusivas podem causar implicações jurídicas aos anfitriões deve levar a uma diminuição nas cobranças.
A plataforma afirma que identificou uma redução de 30% nos preços de hospedagem para o período da COP30 em relação aos valores anunciados desde fevereiro. A Defensoria declara que seguirá acompanhando os custos a cada 15 dias.
“O procedimento não está arquivado em relação ao Airbnb, nós vamos monitorar o cumprimento do que eles se comprometeram com os órgãos de defesa do consumidor”, diz Bitar. “Não descartamos a possibilidade de levar o caso ao Poder Judiciário se houver insuficiência das medidas.”
Segundo a Defensoria, o Hoteis.com, vinculado à Expedia, retirou e bloqueou anúncios de hospedagens com valores excessivos para o período da COP30.
As autoridades também catalogam os preços atuais de transporte por aplicativo e alimentação em Belém. O objetivo é ter uma base de comparação com os valores no período da COP30 e, eventualmente, atuar para conter desvios.