BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – Fracasso anunciado, a União Europeia não deve conseguir apresentar suas metas climáticas na próxima semana, em Nova York, durante a Assembleia Geral da ONU. A Dinamarca, na presidência temporária do bloco, não conseguiu obter consenso dos países-membros para as chamadas NDCs (contribuições nacionalmente determinadas, na sigla em inglês) de 2035, previstas pelo Acordo de Paris.
A ideia, agora, é apresentar uma carta de intenções para as Nações Unidas. A ideia será debatida nesta sexta-feira (18) pelos ministros da área em Bruxelas. Segundo críticos, a Europa, bastião do debate climático nas últimas três décadas, perderá assim a capacidade de influir na elaboração dos objetivos de outros países há menos de dois meses da COP30, em Belém, já desfalcada dos EUA de Donald Trump.
“Uma decisão tardia da UE sobre a trajetória para a neutralidade climática prejudica sua própria indústria nacional e sua posição global”, alertou Manon Dufour, diretora-executiva da E3G, think tank sobre mudanças climáticas.
Apenas 29 dos 197 países que fazem parte da convenção do clima da ONU já entregaram suas metas para 2035, o que preocupa a direção brasileira da conferência. Por outro lado, há expectativa de que a China apresente seus números no prazo estabelecido pelas Nações Unidas para abastecer os encontros relacionados ao assunto que ocorrem em paralelo à Assembleia, no dia 24.
Na carta de intenções idealizada pelos dinamarqueses, que também não está plenamente garantida, segundo observadores, a Europa se comprometeria com um corte de 66,3% a 72,5% das emissões de gases de efeito estufa em relação aos níveis de 1990. O intervalo reflete o impasse criado em torno do plano inicial de Bruxelas de apresentar primeiro a meta para 2040 e, a partir dela, extrair o objetivo para 2035 justamente o teto de 72,5%, que já foi 74% e até 78%, a depender de como o cálculo é realizado.
A estratégia seria uma forma de assegurar a trajetória para uma emissão líquida zero em 2050, mas países como França e Alemanha pressionaram para a definição das duas metas em separado, o que é visto por entidades do setor como um retrocesso: a NDC de 2035 ficaria menor, como a atual discussão já demonstra, assim como a meta para 2040.
Há um forte componente político na discussão. Defensora de um corte pelo piso de 66,3%, a Polônia, por exemplo, tem o Executivo pressionado por um novo presidente populista, que trabalha a rígida legislação ambiental europeia como empecilho para a competitividade do país e uma renúncia à soberania.
Com variações, é o discurso que se percebe também em outros países igualmente polarizados e com líderes pressionados, como o presidente francês, Emmanuel Macron, pelos agricultores e uma Assembleia Nacional fragmentada, e o primeiro-ministro alemão, Friedrich Merz, por um parque industrial em decadência e uma insidiosa ascensão da extrema direita. Não à toa, os dois mandatários são os principais artífices da reação ao plano ambiental concebido por Bruxelas e agora abortado.
Na verdade, a disputa em torno das NDCs está embutida em uma discussão ainda maior no âmbito da União Europeia, chamada pejorativamente de “simplificação” por entidades ambientalistas do continente. “A ação em termos de clima e natureza é mais urgente do que nunca, e não podemos permitir que a UE utilize a simplificação como pretexto para desmantelar os objetivos e obrigações ambientais que sustentam a transição verde e justa da Europa”, declarou na semana passada Ester Asin, diretora de Política Europeia da WWF.
A especialista comentava o discurso do Estado da União de Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, ao Parlamento, em Estrasburgo, em que a conservadora alemã enfatizou a necessidade de reformar a legislação do bloco para fazer frente notadamente à guerra comercial instalada por Trump. “Isso criaria incerteza jurídica, enfraqueceria a credibilidade internacional da UE, penalizaria os pioneiros e, em última análise, colocaria em risco os compromissos do bloco em matéria de clima e biodiversidade.”
Ou seja, em um dos poucos aspectos em que defendia exatamente o oposto, o fortalecimento das metas climáticas, a UE já parece ter capitulado. A Dinamarca, defensora da meta de corte máxima, ainda espera alcançar algum consenso a tempo de evitar vexame maior antes do início da COP, em novembro.