RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A Defensoria Pública do Estado do Amapá entrou com uma ação civil pública contra o Iapen (Instituto de Administração Penitenciária) após a morte de duas detentas em um intervalo de dez dias na Copef (Coordenadoria da Penitenciária Feminina), em Macapá.

Segundo a instituição, os óbitos estariam relacionados a torturas e negligência médica, incluindo o uso de spray de pimenta ao menos cinco vezes por dia contra presas. A denúncia foi divulgada nesta segunda-feira (15).

O Iapen nega as acusações. Em nota, afirmou “repudiar veementemente qualquer prática de tortura” e disse que o uso de gás de pimenta é controlado por protocolos rígidos, com registros formais e rastreabilidade. A autarquia disse que investe R$ 1,8 milhão em obras de reforma na unidade, com metade da execução concluída, e que o abastecimento de água é feito com fornecimento contínuo de água potável pela concessionária.

A ação da Defensoria foi motivada por uma inspeção realizada em 25 de agosto, dias após a primeira morte. No dia 21 daquele mês, uma presa teria sido impedida de receber atendimento médico e escolta hospitalar. Relatos indicam que spray de pimenta foi usado na ala onde ela se encontrava.

Dez dias depois, em 1º de setembro, uma segunda custodiada morreu, também atribuída à ausência de cuidados de saúde.

O relatório da Defensoria aponta uso abusivo de spray de pimenta, castigos humilhantes, revistas íntimas degradantes com presença masculina e restrições arbitrárias de acesso à instituição. Foram relatadas ainda punições coletivas, como a retirada de televisores e livros, além de banho de sol em horários extremos.

As condições estruturais também foram criticadas: fornecimento de água racionado e contaminado, ausência de médicos e medicamentos, alimentação precária, infestação de pragas e superlotação. Para os defensores, a situação configura um “estado de coisas inconstitucional”, conceito já reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal para descrever violações sistemáticas no sistema prisional.

“Quando a pessoa é presa, mantém todos os outros direitos, à exceção da liberdade. Cabe ao Estado garantir a integridade física, a saúde e a vida”, disse o defensor público Carlos Marques.

Para o defensor Arthur Pessoa, as mortes equivalem a uma pena de morte ilegal. “Embora a Constituição proíba a pena de morte, temos internas que receberam uma ‘pena de morte’ porque não tiveram acesso a tratamento médico”, afirmou.

A ação pede o afastamento imediato de servidores e da coordenação da unidade, além da abertura de procedimentos administrativos e criminais. Também requer acesso a todas as filmagens das alas, saneamento básico, fornecimento de água potável, alimentação de qualidade, atendimento médico regular, kits de higiene (incluindo absorventes) e inspeção sanitária.

Entre as medidas estruturais propostas estão a criação de um comitê permanente de monitoramento, instalação de câmeras corporais em agentes penitenciários, regulamentação estadual dos direitos das pessoas presas e capacitação em direitos humanos. A ação também pede que o estado destine verbas no orçamento para implementar de forma contínua as mudanças.

A Defensoria solicita ainda indenização por dano moral coletivo, a ser revertida ao Fundo Estadual de Direitos Difusos. Segundo a instituição, a reparação tem caráter pedagógico e busca prevenir novas violações.

No dia 5 de setembro, a Justiça deferiu parcialmente os pedidos da Defensoria e determinou inspeção sanitária imediata na unidade, além da realização de exames médicos em todas as internas no prazo de dez dias. A decisão obriga ainda o Iapen a apresentar as filmagens dos últimos dois meses e comprovar em 72 horas o fornecimento de água potável, alimentação e medicamentos. O mérito da ação segue em análise.