LA PAZ, BOLÍVIA (UOL/FOLHAPRESS) – O Atlético-MG vai repetir a estratégia da seleção brasileira. Na terça, dormiu em Santa Cruz de la Sierra, já território boliviano. Nesta quarta, horas antes da partida contra o Bolívar, sobe para os 3.650 metros de altitude de La Paz para a partida de ida das quartas de final da Copa Sul-Americana. Tudo para minimizar os efeitos. Um erro, segundo o próprio Bolívar.
“Os efeitos da altitude estão aqui”, disse à reportagem Eduardo Valdívia, gerente do Bolívar, apontando o dedo indicador para a cabeça. “É um efeito psicológico, mais do que físico. Alguns jogadores têm mais medo da altitude do que o efeito prático que ela representa. Quando você sobe para a altitude, há menos oxigênio no ar. Então você começa a respirar muito forte para que receba a mesma quantidade de oxigênio e isso te mata, porque parece que você está mais cansado do que efetivamente está. Mas é simplesmente um reflexo do teu corpo, é preciso saber jogar na altitude. Um time que não treina nenhuma vez na altitude sofre mais com a velocidade da bola, os goleiros principalmente, e alguns jogadores se assustam com as diferenças. Para mim, o melhor que um time que vem para cá pode fazer é treinar dois ou três dias antes do jogo”, conta Valdívia.
É exatamente o que não fez a seleção brasileira, que perdeu para a Bolívia nas eliminatórias na semana passada, E o que não fará o Atlético Mineiro. Clubes brasileiros baseiam-se na teoria de que, nas horas iniciais na altitude, o corpo sente menos os efeitos. Definitivamente, não é o que se vê em campo. Talvez pelo efeito psicológico da viagem, como aponta o dirigente boliviano.
“Nós sequer trabalhamos o fator da altitude quando preparamos uma partida. Preferimos focar no nosso jogo e atuar da mesma maneira, com protagonismo, dentro e fora de casa”, garante o técnico argentino do Bolívar Flavio Robatto, também em conversa com a reportagem do UOL, em La La Paz. “É algo que os brasileiros sentem muito, os argentinos até mais, e realmente acho que existe um componente psicológico importante”.
Robatto chegou ao Bolívar após três temporadas no Nacional de Potosí, também da Bolívia, e foi uma aposta da diretoria por ser um treinador do estilo que o clube cultiva. Que é o “estilo City” de jogo. O Bolívar não pertence ao Manchester City, como é o caso do Bahia, mas tem um projeto de parceria com o clube inglês.
Para entender a história, é preciso voltar a 2008, quando o Bolívar estava quebrado e com graves problemas financeiros. Naquele momento, um empresário de sucesso chamado Marcelo Claure decidiu criar um grupo de investimento que faria um contrato de 20 anos com o clube. Mais tarde, Claure assumiu a própria presidência do Bolívar e, no fim de 2020, fechou um acordo com o Grupo City com duração de 5 anos -vence nos próximos meses.
Claure é um empresário envolvido com vários setores. Na tecnologia, é um dos vice-presidentes do grupo chinês Shein e faz parte do Conselho da telefônica T-Mobile nos Estados Unidos, onde vive. No futebol, é sócio do próprio City na propriedade do Girona espanhol e chegou a fazer uma parceria com David Beckham para a criação do Inter Miami. Hoje, além de presidente do Bolívar, é um dos donos do New York City.
Por todo esse envolvimento, os diretores do Bolívar não enxergam qualquer risco de que o acordo com o City não seja prorrogado a partir do ano que vem. E, pela mesma razão, garantem que não sabem os valores envolvidos na negociação. O que sim, admitem, é que não é o City que coloca dinheiro no Bolívar e, sim, o contrário. O clube boliviano paga pela consultoria e pelo conhecimento transmitido pelo clube inglês, que na verdade pertence aos Emirados Árabes Unidos.
O “know-how” do City é o coração do “Plano Centenário”, um projeto anunciado por Claure cinco anos atrás e que desemboca em 2025, ano do Centenário do Bolívar. “São quatro pilares”, explica Valdívia. “Buscar a auto-suficiência econômica, o que conseguimos desde o ano passado, criar uma boa infraestrutura, formar jogadores no modelo City em nossas academias e atingir sucesso esportivo, com uma final continental”.
A estrutura se nota no Centro de Alto Rendimento, que o UOL visitou na semana passada. Um CT que fica a 40 minutos do centro de La Paz, já a 3.100 metros de altitude, nos moldes dos melhores e mais modernos CTs brasileiros, com três campos -dois de gramado natural e um artificial-, vestiários respeitando as dimensões indicadas pela consultoria City, sala de ginástica, de recuperação física, de descanso para os jogadores (com videogames e controles remotos com as cores do Bolívar) e, claro, todo o equipamento e as informações necessárias para a equipe de análise de desempenho e scouting.
“O Bolívar tem todas as ferramentas que precisa um time profissional, é um luxo vir todos os dias trabalhar em um lugar assim”, conta o técnico argentino Robatto. “A ideia é que o Bolívar não possa só participar, mas competir. Hoje, estamos a anos-luz do futebol brasileiro, mas dentro de campo temos conseguido competir, ganhar algumas fora de casa. Lamentavelmente agora vamos pegar uma pedreira, jogar contra um clube muito grande (o Atlético Mineiro), mas sabemos que podemos competir de igual para igual, com nossas armas, e isso é motivo de orgulho para nós.”
Robatto e Valdívia relatam que, apesar de as diferenças orçamentárias para os clubes brasileiros serem gigantes, o Bolívar tem conseguido aproveitar a rede de olheiros e informações do Grupo City para se beneficiar da parceria. “Tanto para tirar jogadores de concorrentes de outros países do continente quanto para atrair jogadores que olham como uma grande oportunidade para a chance de estar no universo City”, fala o gerente. “Eles veem aqui a possibilidade de um salto para Manchester ou, por que não, para o Bahia”.
Além do CT de primeira linha, o Bolívar montou também uma academia de futebol em Santa Cruz de la Sierra, segunda maior cidade do país e conhecida como “nascedouro de craques”. Ainda no capítulo estrutura, o clube está construindo um novo estádio perto do centro de La Paz, onde ficava o antigo local de treinamentos. A ideia é inaugurar a obra no fim do ano que vem, um estádio moderno, estilo arena, para 17 mil pessoas. A casa própria, que tantos clubes sonham.
Em meio a tudo isso, faltam só mesmo os resultados esportivos, algo considerado “inegociável” por Valdívia. “Temos 31 títulos nacionais, que é a soma dos dois competidores mais próximos (16 do Strongest, 15 do Jorge Wilstermann), então ganhar sempre está em nosso DNA. Mas nós queremos muito um título internacional”.
O Bolíviar bateu semifinais da Libertadores em 1986 e em 2014 e chegou a ser vice-campeão da Copa Sul-Americana em 2004. Nos últimos anos, chegou a vencer partidas contra Flamengo e Palmeiras, eliminou o Athletico-PR de uma Libertadores e deu muito trabalho ao Inter nas quartas de 2023. Resumindo, tem chegado sempre. E agora tem pelo caminho o Atlético-MG em busca de um glória inédita, justamente no ano do Centenário.
“Tudo o que estudamos serve para pouco, já que o Atlético será outro time com Sampaoli”, fala o técnico Robatto. “Hulk segue sendo a alma e de qualquer maneira é um time com grandes jogadores. A pressão está toda do lado deles, mas tentaremos fazer um bom resultado em casa para termos chances nas eliminatórias”, concluiu.