SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – As empresas brasileiras são proibidas por lei de demitir funcionário por expressar opinião política nas redes sociais ou fora delas, desde que não haja incitação a crime ou violência.

A prática, prevista na lei 9.029, de 1995, é conhecida como dispensa discriminatória e pode levar a condenações na Justiça do Trabalho, como reintegração do profissional; multa no valor de duas vezes o salário pelo período em que ele ficar afastado, mais juros e correção monetária; e indenização por dano moral.

O movimento “demita um extremista” vem crescendo nas redes sociais após a morte do ativista pró-Donald Trump, Charlie Kirk, assassinado durante evento em uma universidade norte-americana. Nos Estados Unidos, empresas dispensaram ou afastaram quem fez postagens consideradas ofensivas sobre o caso.

No Brasil, a demissão de funcionários considerados extremistas começou a ser incentivada no Twitter pelo deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), e já tem defensores, como o empresário Tallis Gomes, dono do grupo G4 Educação.

Gomes diz que pediu ao setor de recursos humanos para vasculhar as redes de 400 funcionários. “Não quero criminoso trabalhando comigo”, afirmou.

Uma contraofensiva da esquerda nas redes sociais alerta trabalhadores sobre as garantias legais quanto à liberdade de expressão, de crença e de posicionamento político. Segundo postagem compartilhada no Twitter e distribuída por WhatsApp, a demissão “por motivos políticos é crime” e o funcionário que for vítima pode entrar com ação na Justiça trabalhista.

Especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) não tem artigo específico que trate sobre o tema, mas proíbe prática discriminatória e, assim como a Constituição Federal, garante direito à liberdade de expressão.

Há ainda jurisprudência —entendimento consolidado— do TST (Tribunal Superior do Trabalho) contra dispensa discriminatória e convenção da OIT (Organização Internacional do Trabalho), da qual o Brasil é signatário, que trata da proibição de discriminação no emprego, abrangendo opiniões políticas.

Esse tipo de demissão, no entanto, não seria considerado crime. O que a lei 9.029 prevê é prisão nos casos em que se exigem exames ligados à esterilização ou gravidez, diz a advogada Carla Felgueiras, sócia do escritório Montenegro Castelo Advogados Associados.

Felgueiras afirma que o simples fato de um funcionário expressar opinião política “de forma razoável e respeitosa” não pode ser usado como justificativa para dispensa e a empresa também não pode exigir ou investigar a orientação política do empregado.

A advogada alerta que se o comportamento do trabalhador ultrapassar os limites do respeito —como associar sua imagem política à da empresa ou prejudicar a imagem institucional— a situação se torna delicada e pode justificar uma demissão por má conduta.

“O conteúdo da manifestação política e o contexto em que ocorre são fundamentais para avaliar a legalidade da dispensa”, diz ela.

DEMISSÃO PRECISA SER JUSTIFICADA?

A advogada Vivian De Camilis, sócia da área de Direito do Trabalho do Tilkian Marinelli Marrey Advogados, afirma que o funcionário tem direito à liberdade de expressão nas redes sociais pessoais, desde que fora do ambiente de trabalho.

Manifestações políticas feitas na empresa, no horário de trabalho ou utilizando canais profissionais podem gerar consequências disciplinares que vão desde advertência até demissão, prática que ganha força quando há regulamento interno e código de ética e conduta, ou quando a natureza da atividade empresarial exija isenção por parte de seus profissionais.

As especialistas lembram que, no Brasil, a demissão sem justa causa não precisa ser justificada nem ter uma motivação específica. É uma prerrogativa do empregador desligar um funcionário, desde que pague os direitos trabalhistas na dispensa.

COMO PROVAR QUE A DEMISSÃO FOI DISCRIMINATÓRIA?

Qualquer demissão discriminatória exige provas por parte do empregado, como documentos e testemunhas, para que se configure o direito à reintegração ao trabalho ou indenização.

A advogada Érica Coutinho, do Mauro Menezes & Advogados, diz que se for provado o assédio por orientação política, seja na contratação ou na manutenção do posto de trabalho, também é possível a condenação do empregador por danos morais.

“Esse arcabouço foi pensado para proteger os trabalhadores de intimidação perpetrada por seus empregadores quando há dissonância de posição política”, diz ela sobre a lei 9.029.

QUAL O LIMITE ENTRE LIBERDADE DE EXPRESSÃO E POSTAGEM OFENSIVA?

A advogada Priscila Kirchhoff, sócia da área trabalhista do Trench Rossi Watanabe, diz que o artigo 5º da Constituição estabelece que “ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política”, garantindo a liberdade de expressão do trabalhador.

Ela reforça ainda que, no âmbito trabalhista, a liberdade de consciência, crença e política é crucial, mas que há limites éticos, morais e legais.

“Em outras palavras, a liberdade de expressão é um direito fundamental, mas não é absoluto, devendo ser exercido com responsabilidade e sem prejudicar a honra, a privacidade, os direitos alheios ou a atividade empresarial”, afirma.

O QUE O EMPREGADO DEVE FAZER?

“Postagens relacionadas à política podem levar à dispensa do empregado —ou à adoção de outras medidas disciplinares— quando as suas manifestações ultrapassam os limites legais, causando danos, difamação, calúnia, ou vinculando indevidamente a empresa à opinião pessoal do trabalhador”, diz.

Os tribunais tendem, no entanto, a proteger a manifestação legítima do empregado, desde que não ultrapasse os limites legais.

“Em caso de postagens políticas, recomendamos que o empregado não cite o nome da empresa ou use símbolos que a representem. Também deve claramente distinguir que se trata de uma opinião pessoal, desvinculada das impressões do empregador”, afirma Priscila.

Priscila lembra que trabalhadores que ocupam posição de liderança ou têm cargo de confiança precisam tomar ainda mais cuidado.

O QUE DIZEM AS CENTRAIS SINDICAIS?

Clemente Ganz Lúcio, presidente do Fórum das Centrais Sindicais, que reúne todos os sindicatos do país, afirma que as centrais vêm monitorando a situação, como fizeram na eleição, quando houve parceria com o MPT (Ministério Público do Trabalho) contra assédio eleitoral, mas acredita que o tema ainda não tomou grandes proporções no Brasil.

“Os sindicatos devem agir com cautela, evitando amplificar comportamentos extremistas vindos de indivíduos isolados”, diz.

Segundo o sindicalista, nenhum trabalhador pode ser demitido por posicionamento político, seja por apoiar determinado candidato, ser filiado a um partido ou ser membro de sindicato, mas há práticas que justificariam uma demissão —até mesmo por justa causa— e, por isso, é preciso ter cuidado.

Dentre as ações estão atos que prejudiquem a imagem da empresa, que possam ser considerados crimes, ou que ofendam a honra de pessoas ou organizações.