SÃO PAULO, SP, BRASÍLIA, DF, E PRAIA GRANDE, SP (FOLHAPRESS) – A investigação do assassinato do ex-delegado-geral de São Paulo, Ruy Ferraz Fontes, 64, apura se a morte foi uma represália ao trabalho que ele vinha fazendo à frente da Secretaria de Administração de Praia Grande, na Baixada Santista, ou se está ligada ao seu passado de luta contra o crime organizado, quando foi o primeiro a investigar o PCC (Primeiro Comando da Capital).

Ruy foi morto a tiros após ser perseguido por criminosos depois de deixar a prefeitura, na noite de segunda-feira (15). “Hoje não afastamos nenhuma possibilidade, nem de ser um crime promovido por facção ou de não ser um crime promovido por facção”, disse o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos).

No entanto, a força-tarefa criada para a investigação tem como foco principal o seu atual trabalho. A fiscalização de atividades na cidade litorânea, principalmente na região da orla, pode ter gerado inimigos, que buscavam tirá-lo do caminho, segundo fontes ouvidas pela Folha de S.Paulo.

À frente da secretaria, Ruy era responsável por licitações, pelo patrimônio público da cidade e pela folha de pagamento, segundo o prefeito do município, Alberto Mourão (MDB).

Embora os processos de contestação de serviços para o poder público tenham início em várias secretarias municipais, a pasta de Administração é responsável por realizar os pregões e anunciar os vencedores das licitações e concessões. Segundo o prefeito, eram principalmente ligadas a quiosques de praia, concedidas por meio de autorização de área pública. Essa função é, entre várias que o delegado aposentado fazia, aquela com maior potencial para contrariar interesses, disse Mourão.

“Governar é suportar pressão e contrariar interesses, que às vezes se dizem legítimos. Mas não vejo nada que levasse a isso.”

Mourão frisou que Ruy não se envolvia nas questões de segurança do município. “Em hipótese alguma, até porque, quando ele veio [para Praia Grande], ele sempre falou que queria ficar fora da polícia, depois de passar 40 anos nisso”, afirmou.

Já a linha de investigação do crime organizado leva em conta, principalmente, o fato de o PCC ter histórico de planejar ou matar autoridades desde o início dos anos 2000, cerca de dez anos após ser criada na Casa de Custódia de Taubaté, em 1993.

Além de um juiz, centenas de policiais militares, agentes penitenciários e até uma psicóloga foram assassinados a mando da facção criminosa.

Além disso, um dos dois suspeitos identificados pela polícia como envolvidos no assassinato de Ruy passou pela ala de um presídio ligada ao PCC, segundo o promotor Lincoln Gakiya, integrante do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado de São Paulo) do Ministério Público.

Apesar da possível ligação do suspeito com a facção criminosa, o promotor disse que não dá para confirmar que o crime foi praticado pelo PCC. “Isso não quer dizer que possa ter sido um crime praticado por outro tipo de organização criminosa, ligada a contratos públicos que por ventura o doutor Ruy tenha participado em Praia Grande”, diz.

Gakiya afirmou já ter alertado o ex-delegado várias vezes sobre decretos de morte em seu nome interceptados no sistema penitenciário. “Isso vinha desde 2006”, disse Gakiya. “Em 2010, em uma investigação nossa, apareceu um plano para matá-lo. Eu fui o responsável por comunicar a Rota [tropa de elite da PM] na época, e dois indivíduos foram presos na porta do 69º DP onde o doutor Ruy atuava. Esse plano foi desmobilizado e evitamos a morte dele.”

A identificação do primeiro suspeito foi anunciada nesta terça pelo secretário estadual de Segurança Pública, Guilherme Derrite, durante velório de Ruy na Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo).

“Já temos um primeiro indivíduo identificado e qualificado. A Polícia Civil já está requisitando a prisão desse criminoso. É para a surpresa de zero pessoas, inclusive a nossa. É um indivíduo que já foi preso várias vezes pelas forças policiais. Foi preso por roubo duas vezes, foi preso quando era adolescente infrator”, diz Derrite.

Horas depois, o secretário postou em suas redes sociais a identificação do segundo criminoso, logo após trabalho da perícia nos carros usados na emboscada.

A investigação indica que os veículos rondavam a Prefeitura de Praia Grande há pelo menos dois meses. O Toytota Hilux e o Jeep Renegade, que tinham sido furtados na capital paulista em março e junho, foram flagrados por imagens captadas por câmeras de segurança municipais analisadas.

As placas adulteradas dos veículos também foram identificadas por radares e câmeras de trânsito do município no mesmo período.

Foi por meio de análise de impressões digitais deixadas no vidro de um dos veículos que a Polícia Civil identificou os acusados. A reportagem apurou que em um dos carros foi encontrada uma pistola 9 mm. No Jeep Renegade foram apreendidos um óculos, um boné e carregadores de fuzil 556 e 7,62. No mesmo automóvel, com uso de swab, uma espécie de cotonete, foram coletados material genético, que possibilitou identificar o outro suspeito.

A Polícia Federal ofereceu apoio ao governo de São Paulo na investigação, mas a gestão Tarcísio de Freitas recusou a ajuda federal. O caso é de responsabilidade da Polícia Civil paulista.