BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A nova versão do projeto da PEC da Blindagem, que a Câmara pretende votar nesta terça-feira (16), abre brecha para ampliação do atual foro especial de parlamentares e para a criação de proteção também na área cível, impedindo juízes de instâncias inferiores, por exemplo, de bloquear bens e salários de congressistas suspeitos de corrupção.

A PEC (proposta de emenda à Constituição), se aprovada, estabelecerá uma blindagem maior do que a existia até 2001 e que foi derrubada pelo próprio Congresso devido à repercussão, à época, do amplo histórico de impunidade em relação a deputados e senadores envolvidos em malfeitos.

O principal ponto do texto é o que dá ao Congresso o poder de barrar processos criminais no STF (Supremo Tribunal Federal) contra congressistas ao exigir autorização de Câmara ou de Senado, em votação secreta.

O texto estabelece que, desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser processados criminalmente sem prévia licença da respectiva Casa.

Hoje o foro especial de deputados e senadores diz respeito apenas a investigações e processos relativos a crimes cometidos no exercício do mandato e em função dele. Não há foro na área cível.

O primeiro parágrafo da PEC diz que os deputados e senadores “serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal e, a qualquer tempo, somente serão alvos de medidas cautelares de natureza pessoal ou real dele provenientes”.

Ou seja, o texto dá margem à interpretação de que mesmo atos tomados em ações de improbidade (cíveis) teriam que ter autorização do STF.

A expressão “a qualquer tempo” abre a possibilidade também do entendimento de que, em casos que correm em instâncias inferiores, nas áreas criminal e cível, as ações como busca e apreensão, sequestro de bens e bloqueio de salários de parlamentares só poderão ser autorizadas pelo STF.

No início do mês, o deputado federal Ricardo Ayres (Republicanos-TO), aliado do presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), teve endereço alvo de busca e apreensão pela Polícia Federal por ordem do STJ (Superior Tribunal de Justiça). A investigação diz respeito a possíveis delitos do parlamentar cometidos quando ele era deputado estadual.

A PEC da Blindagem é uma antiga bandeira do centrão, o grupo de partidos de centro-direita e de direita que, hoje, tem maioria no Congresso.

O objetivo principal do grupo é barrar as dezenas de investigações no STF envolvendo suspeita de corrupção com as verbas das emendas parlamentares, que movimentam a cada ano cerca de R$ 50 bilhões.

A PEC foi proposta em 2021, logo após a prisão do então deputado federal Daniel Silveira, por determinação do STF, após o bolsonarista publicar ataques aos ministros da corte e defender o AI-5. Houve na época uma primeira tentativa frustrada de votação, ainda na gestão de Arthur Lira (PP-AL) na presidência da Câmara.

A segunda e última tentativa de votação da proposta ocorreu no final de agosto e só não foi à frente após repercussão negativa e falta de consenso entre os partidos. Na ocasião, a proposta do PL de sustar até os processos em andamento recebeu críticas de algumas legendas, o que inviabilizou a votação.

O acordo para votação havia sido firmado no gabinete de Lira, que deixou a presidência da Câmara em janeiro, mas continua com forte influência na Casa.

Durante as investigações da Lava Jato, Lira foi alvo na área criminal e, na cível, chegou a ser acionado pelo Ministério Público, Advocacia-Geral da União e Petrobras no Paraná, em ações de improbidade contra ele e outros políticos -uma delas resultou em ordem de bloqueio de seus bens no valor de até R$ 7,77 milhões e em bloqueio de 10% do seu salário como parlamentar.

Os defensores da medida argumentam, em público, que ela fortalece as prerrogativas parlamentares, discurso usado por constituintes para aprová-la no final dos anos 1980, ainda sob o impacto de uma ditadura militar (1964-1985) que fechou o Congresso, cassou mandatos e perseguiu deputados e senadores devido a posições políticas.

Em 2001, porém, pouco mais de dez anos após a promulgação da Constituição de 1988, o próprio Congresso revogou a medida diante do fato de que, muito mais que proteger parlamentares em relação aos seus votos e discursos, a regra vinha servindo para proteger parlamentares corruptos.

Para ser aprovada, uma emenda à Constituição precisa do voto de ao menos 60% dos deputados federais e dos senadores (308 e 41, respectivamente), em dois turnos de votação em cada Casa. Ocorrendo isso, a PEC é promulgada pelo próprio Congresso e entra em vigor, não cabendo sanção ou veto presidencial.

A nova tentativa de votação nesta terça ocorre em meio à pressão do bolsonarismo e de parte do centrão para que seja aprovada uma anistia aos condenados por atos golpistas, entre eles o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).

Se antes o centrão buscou apoio dos aliados do ex-presidente na frustrada tentativa de votação no final de agosto, agora há conversas com governistas em troca de apoio para que não haja aprovação de uma ampla anistia, como querem os bolsonaristas.

O texto da PEC prevê ainda que presidentes de partidos políticos também terão foro especial no STF.