BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Nesta segunda, o palco do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro foi ocupado quase que exclusivamente por mulheres, com exceção de um produtor e do intérprete de libras.

Nesse mesmo dia em que o Brasil viu “Manas”, de Mariana Brennand, ficar de fora da corrida para o Oscar, a mostra competitiva de Brasília teve uma sessão marcada por filmes que celebram o olhar feminino.

“Quatro Meninas”, de Karen Suzane, se passa no final do século 19 e acompanha a fuga de oito moças que, de uma forma ou de outra, se sentem aprisionadas. Quatro delas são negras e quatro são brancas. O grupo se instala num casarão abandonado, onde se dá uma série de conflitos envolvendo crescimento, cuidado e tomada de consciência.

“Há muito material sobre a época da escravidão que quase flerta com um fetiche dos traumas dessas pessoas”, disse a atriz Ágatha Marinho, durante entrevista coletiva nesta terça. “Histórias escritas e dirigidas por pessoas brancas, feitas para pessoas brancas, não para pessoas negras”, afirma. Segundo a atriz, é raro encontrar na cinematografia produções de época que não coloquem escravizados na posição de coitados.

Durante a sessão na noite de segunda, a plateia caiu na gargalhada ao assistir a um cena em que uma das meninas negras debocha de uma branca, dizendo que comprou a sinhá por cinco caroços de laranja.

“Não gravei achando que era uma cena de comédia. Descobri com vocês”, diz a atriz Dhara Lopes, que interpreta a personagem Lena, quem faz o deboche antirracista. Para ela, o humor vem do ridículo que é uma pessoa comprar outra, e, quando os papeis são invertidos, num tom de deboche e naquele contexto de século 19, há um estranhamento cômico. “Mas eu acho que ficou cômico justamente por isso -quem vendeu ela? É absurdo.”

O elenco também conta com uma jovem aposta da TV Globo, Alana Cabral, que irá protagonizar a próxima novela das nove da emissora ao lado de Sophie Charlotte e Dira Paes. Tem também atrizes com largo acúmulo de seguidores no Instagram, como Duda Matte e Giovanna Rispoli, que arrebanham cerca de um milhão cada. João Vitor Silva, nome em ascensão na TV e no cinema, está no elenco de “Quatro Meninas” -ele também faz uma ponta em “O Agente Secreto”.

Também na segunda, foi muito aplaudido o curta “Laudelina e a Felicidade Guerreira”, da cineasta Milena Manfredini. O filme homenageia Laudelina de Campos Mello, militante negra e fundadora do primeiro sindicato de empregadas domésticas do Brasil.

O curta resgata as origens de Laudelina, em Poços de Caldas (MG), e não se furta de citar, de forma crítica, sobrenomes de peso. A militante, com apenas 12 anos, começou a trabalhar na casa dos Moreira Salles, também originários da cidade mineira.

Segunda a diretora Milena Manfredini, houve quem a perguntasse se ela não tinha medo de citar a família do fundador do Unibanco. “Medo de quê? De falar a verdade?”, diz.

“Eu não faltei com a verdade. Seria muito covarde eu, como uma mulher negra, filha, neta, sobrinha de empregadas domésticas, ter medo de eu contar essa informação.”

Também foi exibido o curta-metragem “Faísca”, de Bárbara Kariri, que fala do desaparecimento das onças em uma comunidade no Ceará e como esse processo afeta diferentes gerações de mulheres.