BELÉM, PA (FOLHAPRESS) – Uma empresa suspeita de ser de fachada usada em contratos fraudulentos, saques em espécie e pagamentos de propina, segundo a PF (Polícia Federal) foi contratada pelo Governo do Pará para demolição e reconstrução de uma parte de um batalhão da Marinha em Belém. O contrato, no valor de R$ 17,9 milhões, foi assinado em novembro de 2024 e tem validade de dois anos.
As intervenções na área militar integram um conjunto de ações necessárias para a duplicação e o prolongamento da rua da Marinha, voltada para a realização da COP30 (conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas), em novembro. A obra deve causar a perda de espécies da flora amazônica ameaçadas de extinção.
O Governo do Pará contratou a Fortes Comércio & Serviços para demolição, e posterior reconstrução, de prédios administrativos do 2º Batalhão de Operações Ribeirinhas, da Marinha. A unidade militar está no caminho das obras da avenida, e houve cessão de área da União para o Pará, de forma a viabilizar a expansão da via, que melhorará fluxo de carros até o estádio do Mangueirão.
Em compensação, estão previstas reparação e construção de prédios aos militares, além de espaços como pátio de cerimônia e estacionamento, como consta em uma planilha feita pela Marinha. Essa contrapartida pode chegar a R$ 74 milhões.
A Fortes Serviços, contratada para abrir a área militar necessária à expansão da avenida, é uma empresa de fachada, segundo investigação da PF que resultou na deflagração de uma operação no último dia 2.
A Operação Expertise, com participação do MPF (Ministério Público Federal) no Pará e da CGU (Controladoria-Geral da União), resultou na prisão preventiva, quebras de sigilo e buscas em endereços de empresários e servidores suspeitos de integrar uma organização criminosa voltada a lavagem de dinheiro a partir de contratos com órgãos do Governo do Pará e uma prefeitura.
Os crimes envolveram desvios de recursos da educação e da saúde, segundo a PF e o MPF.
Três empresas se associaram para contratos fraudulentos, saques em espécie e pagamentos de propina a servidores públicos, conforme as investigações uma delas é a Fortes Comércio & Serviços, de acordo com a PF.
Em nota, o Governo do Pará afirmou que o contrato com a Fortes Serviços não tem relação com a COP30. Segundo a gestão de Helder Barbalho (MDB), todas as demolições necessárias já foram feitas, e 37% dos serviços contratados foram concluídos. As etapas previstas estão em andamento, acrescentou.
“Todos os processos licitatórios são conduzidos dentro da legalidade”, diz o texto.
As defesas da Fortes Serviços e dos demais investigados não foram localizadas ou não responderam ao contato da reportagem. Não houve resposta nos telefones informados pela empresa à Receita Federal.
OPERAÇÃO EXPERTISE
Na decisão que autorizou a operação policial, a Justiça Federal determinou a interrupção das atividades econômicas das empresas, o bloqueio de bens e a suspensão de todos os contratos públicos vigentes, assinados pelos investigados.
Ao todo, foram decretadas cinco prisões preventivas. Três se referem aos donos das empresas suspeitas de conluio para o cometimento de fraudes, saques em espécie e pagamentos de propina, como aponta a PF. Um desses empresários é Alberto Furtado Pinheiro, sócio da Fortes Serviços.
Alberto é quem assina o contrato, firmado com a Seop (Secretaria Estadual de Obras Públicas), para a demolição e reconstrução de prédios do batalhão da Marinha. Esse contrato não é citado na decisão da Justiça Federal que autorizou a Operação Expertise.
Segundo as investigações, as empresas receberam R$ 198,3 milhões entre 2018 e 2025. Os contratos citados na decisão judicial se referem a Detran (Departamento de Trânsito), Polícia Científica, Assembleia Legislativa do Pará e Município de Marituba.
“Desde o ano de 2018, há indicação de que pelo menos R$ 100 milhões tenham sido pagos em espécie a servidores públicos corruptos”, cita a decisão judicial.
A nota do governo paraense cita também a atuação da Seop. “A Secretaria de Obras do Estado do Pará cumpre integralmente as decisões judiciais em vigor e colabora de forma permanente com os órgãos de controle e investigação. A Seop permanece à disposição das autoridades para todas as providências relacionadas ao referido contrato.”
O BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) disse que não financia a demolição e reconstrução de prédios do batalhão da Marinha. O banco aprovou financiamento de R$ 248,5 milhões para a duplicação e prolongamento da rua da Marinha.
A Marinha afirmou, também em nota, que não participou da escolha da empresa e que a Fortes “trabalhou regularmente” nas obras, até paralisação para o cumprimento de decisão judicial. A Força disse aguardar o resultado da investigação e estar à disposição das autoridades para colaboração no caso.
IMPACTO AMBIENTAL DA OBRA
Documentos da Seop sobre a duplicação e o prolongamento da rua da Marinha afirmam ser necessário demolir o muro que delimita a área do 2º Batalhão de Operações Ribeirinhas, “adentrando aproximadamente 30 m”.
A intervenção feita em área da Marinha é citada pelo MPF na abertura de um procedimento preliminar de investigação sobre as obras. O procedimento, chamado notícia de fato, foi instaurado pela Procuradoria no Pará em maio deste ano, com base em uma reportagem publicada pela Folha de S.Paulo.
A reportagem, veiculada em janeiro, mostrou que as obras da rua da Marinha provocam desmatamento de vegetação amazônica, num ponto de Belém que ainda é um respiro verde na cidade de 1,3 milhão de moradores.
Documentos do licenciamento mostram que houve aval para supressão de vegetação em estágio moderado de regeneração, com perdas de árvores de 64 espécies, sendo cinco de maior importância ecológica e duas integrantes da lista oficial de espécies da flora brasileira ameaçadas de extinção.
O MPF cobrou explicações da gestão de Barbalho, que disse que determinadas árvores foram transplantadas para outra obra da COP30, a Avenida da Doca.
A contratação de uma empresa suspeita, para demolição de prédios da Marinha no curso de um empreendimento voltado à COP30, é a segunda que envolve um suposto grupo criminoso investigado pela PF, com características semelhantes.
A polícia investiga um suposto grupo armado, formado por PMs do Pará, a serviço do deputado federal Antônio Doido (MDB). Segundo a PF, o grupo fez saques no valor de R$ 48,8 milhões em um ano e meio. Para isso, foi usada a empresa J A Construcons, em nome da mulher de Doido, conforme a polícia. O caso é investigado em inquérito aberto no STF (Supremo Tribunal Federal).
A J A recebeu R$ 633 milhões do governo de Barbalho, a partir de contratos assinados com a gestão estadual, entre 2020 e 2024. A empresa tem um contrato com a Seop voltado à COP30, no valor de R$ 123,4 milhões, para obras de macrodrenagem, saneamento e pavimentação de uma rua nos bairros de Benguí e Marambaia, perto do Mangueirão.