SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os posts nas redes sociais com desinformação sobre a COP30, a conferência das Nações Unidas sobre mudanças climáticas que será realizada em Belém em novembro, alcançaram mais que o dobro de usuários em agosto na comparação com a média dos sete meses anteriores.
É o que mostra um levantamento da coalizão internacional Climate Action Against Disinformation e do Observatório de Integridade da Informação, ao qual a Folha de S.Paulo teve acesso. O monitoramento usa a ferramenta Brandwatch para encontrar menções à cúpula nas plataformas X, Instagram, Facebook, YouTube, Reddit e LinkedIn.
A análise abrange apenas os posts com desinformação que figuram entre as cem publicações sobre a COP com maior alcance nas redes a cada mês. Em agosto, 30 das 100 postagens analisadas envolveram conteúdo enganoso a respeito do evento.
Segundo o levantamento, cada postagem com desinformação alcançou em média 1,2 milhão de usuários no último mês. Isso representa um crescimento de 149% em relação ao período de janeiro a julho, quando a média foi de 486 mil.
O engajamento das publicações, definido pela soma de curtidas, comentários, compartilhamentos e republicações, foi calculado em 31,3 mil em agosto, o equivalente a um aumento de 159%.
A reportagem questionou todas as plataformas consideradas na análise a respeito de medidas específicas para conter a propagação de posts enganosos sobre a COP30. A Meta, que controla o Instagram e o Facebook, e o YouTube enviaram apenas links para páginas de seus sites sobre desinformação, que não citam questões climáticas. O LinkedIn não comentou. X e Reddit não responderam.
O post com desinformação que teve o maior alcance em agosto é um vídeo publicado no X que mostra uma grande quantidade de urubus nos arredores do mercado Ver-O-Peso, considerado um cartão-postal da capital do Pará. De acordo com o levantamento, a postagem alcançou 2 milhões de pessoas.
A gravação original, porém, é de maio de 2023. Atualmente o local passa por obras de saneamento em preparação para o evento.
“Uma mentira repetida muitas vezes pode virar verdade. Esse exemplo é um recorte disso, de trazer uma imagem sobre Belém que vai dizer para as pessoas: é isso que espera vocês quando chegarem por aqui. É uma visão que traz uma série de preconceitos”, diz Thais Lazzeri, criadora do Observatório de Integridade da Informação e da iniciativa Mentira Tem Preço.
O segundo post mais disseminado em agosto, também publicado no X, alcançou 1,8 milhão de pessoas e exibe imagens de uma mulher andando em ruas com infraestrutura urbana precária: “Empresária que viria ao Brasil para a COP30, [sic] faz vídeo para mostrar o caminho que teria que percorrer para chegar à acomodação de 300.000 reais por semana”, diz a publicação.
A paisagem permite identificar que a gravação original foi feita na cidade de Tbilisi, capital da Geórgia, e não em Belém. Um trecho do vídeo mostra a fortaleza de Narikala, construção medieval datada do século 4. O recurso de notas dos leitores no X informa que o vídeo não foi gravado no Brasil e que não tem qualquer relação com a COP30.
Lazzeri afirma que a eclosão da crise dos preços de hospedagem para a cúpula ajuda a explicar a disparada do alcance de conteúdos enganosos. “Serviu como uma muleta, um gancho para espalhar uma série de desinformações sobre a COP30, em uma tentativa de enfraquecer, de minimizar a importância e de expor o Brasil”, diz.
A proximidade da conferência, que ocorrerá daqui a menos de dois meses, também está por trás do aumento, segundo a pesquisadora.
“A desinformação climática é uma estratégia contra soluções e a própria COP está no centro de decisões importantíssimas que não podem mais ser postergadas. A transição justa, os recursos para adaptação e mitigação e outras soluções também vêm sendo impactadas por desinformação”, afirma.
O levantamento identificou 14 mil menções à cúpula em agosto contendo as palavras “desastre”, “piada”, “catástrofe” e “fracasso”, um aumento de 267% em relação a julho.
Em junho, uma das publicações mais compartilhadas usou inteligência artificial para simular uma reportagem sobre lixo e ruas alagadas da capital paraense.
“Esta é a Belém da COP30 que eles querem esconder do mundo em 2025”, diz o áudio da postagem no X, sem mencionar que se trata de conteúdo produzido artificialmente. O post alcançou 461 mil pessoas, segundo o levantamento.
Lazzeri afirma que a difusão da desinformação climática nas redes segue a lógica de uma cadeia produtiva. “Todos os atores envolvidos são remunerados de alguma maneira, seja com dinheiro, poder ou influência, e sem nenhuma responsabilização”, diz.
“As pessoas estão se habituando a conviver com esse tipo de conteúdo enganoso, que nem sempre é falso, mas pode ser parcialmente verdadeiro com informações distorcidas”, afirma Nicole Sanchotene, pesquisadora do Netlab, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. “Além de disputas políticas e econômicas, é algo que afeta a população diretamente.”
Frederico Assis, enviado especial da COP30 para a integridade da informação, diz estar preocupado com os resultados. “Por um lado, é uma tendência natural que a desinformação aumente à medida que o evento se aproxima e ganha visibilidade. Por outro lado, isso também evidencia como operam as redes de desinformação, de maneira articulada, com o objetivo de minar os avanços na agenda climática e desacreditar soluções para enfrentar a crise”, afirma.
A presidência da COP30 incluiu a integridade da informação na agenda de ação do evento algo inédito na história das conferências e uma sinalização de que o tema terá espaço nas discussões em Belém.
O governo brasileiro lançou junto à ONU a iniciativa global pela integridade da informação, que reúne Chile, Dinamarca, França, Marrocos, Reino Unido, Suécia e Uruguai até o momento.