JÉSSICA MAES

FERNANDO DE NORONHA, PE (FOLHAPRESS) – As areias brancas das paisagens paradisíacas de Fernando de Noronha têm se enchido de pontos coloridos: são tampinhas de garrafas, talheres descartáveis e restos de redes de pesca trazidos pelas ondas.

Em 23 de agosto, em menos de 10 minutos de caminhada pela praia do Leão, a reportagem reuniu uma pequena pilha de lixo plástico vindo do oceano. Havia muito mais espalhado pela restinga, mas sem equipamento adequado era impossível recolher todos os resíduos.

Os locais mais atingidos são os banhados pelo “mar de fora”, como é conhecida a face do arquipélago virada para a África. Ali, o mar é mais bravo e, durante os meses de agosto e setembro, correntes marítimas trazem o plástico vindo do continente africano e de navios que circulam pelo Atlântico.

No último dia 4, o guia turístico José Martins da Silva Filho, conhecido como Zezinho, se deparou com uma maré de lixo e sargaço na praia do Sueste, para onde havia levado um grupo de visitantes para observar os filhotes de tubarão que nadam perto da areia.

“Eu me surpreendi com a quantidade de tampinhas de garrafa, que eram cerca de 90% do lixo, e com o volume, que era muito grande. Nunca vi tanto”, conta. “Catei mais de mil tampinhas em menos de meia hora, enquanto os turistas olhavam os tubarões”.

O Sueste, assim como a praia do Leão, fica dentro do Parque Nacional Marinho de Fernando de Noronha e é área de alimentação de tartarugas-marinhas.

Ele voltou ao local na manhã seguinte, acompanhado de um pequeno mutirão de limpeza composto por nove jovens e crianças. Em duas horas de trabalho, foram recolhidos mais de 64 kg de lixo, a maior parte plástico. Além das tampinhas, foram achadas embalagens de cosméticos, escovas de dente e até seringas.

“A maioria era lixo internacional. Dava para ver pelos logotipos, pelas marcas das tampinhas”, diz o historiador Emerson Junior, educador ambiental do Projeto Golfinho Rotador, que integrou o mutirão. O projeto, além de pesquisar os golfinhos da ilha, tem diferentes iniciativas de conservação. “Isso mostra como um lixo que você está jogando lá do outro lado consegue impactar aqui”.

“Achamos também uma tartaruga, de uns 20 centímetros de diâmetro, morta engasgada com plástico”, relata Zezinho, com tristeza. “Aqui é meu quintal, minha casa. Além de morar aqui, eu trabalho aqui, dependo do oceano. Mostro muito tubarão e tartaruga para as pessoas. É crucial manter limpo”.

A maré de lixo chega a Noronha poucas semanas depois do fracasso de uma nova tentativa para criar um tratado mundial de combate à poluição plástica.

Mesmo sediando em novembro a COP30, cúpula climática das Nações Unidas, segundo reportagem do portal Climate Home, o Brasil se distanciou das posições mais ambiciosas nas negociações globais, que pediam o banimento de alguns produtos plásticos. Os diplomatas brasileiros teriam adotado uma posição mais alinhada aos grandes produtores de petróleo.

Lixo internacional

Não é preciso tecnologia sofisticada para descobrir a origem dos resíduos encontrados pela reportagem e pelos noronhenses. Uma busca na internet revela, por exemplo, que a marca de água Canadian Pure é produzida na República Democrática do Congo, assim como os refrigerantes Festa e Zen.

Os achados vão ao encontro de um estudo da Universidade Federal do Ceará e outras instituições brasileiras publicado no ano passado sobre resíduos plásticos recolhidos no litoral nordestino em 2022.

A pesquisa mostrou que a maior parte dos itens (78,5%) vinha do continente africano e, destes, mais de 90% eram originários da República Democrática do Congo. Pouco mais de um quinto do material não vinha da África: 15,7% eram de marcas brasileiras e 5,8% vinham de outros países.

Uma análise das correntes apontou, ainda, que a principal fonte era a poluição vinda do rio Congo.

“Como há o descarte incorreto de lixo, assim como no Brasil, toda vez que chega a época de chuvas fortes esses rios aumentam de volume e vão arrastando tudo que tem na margem. Isso vai para o oceano e chega às correntes marítimas que varrem a costa da África e se dirigem ao continente americano”, explica Alice Grossman, diretora da EcoNoronha, concessionária que apoia o ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) na gestão do parque nacional.

A bióloga ressalta que cada vez mais lixo é encontrado nas praias e que o problema tomou dimensões assustadoras. “O que a gente vê na beira da água é o que o mar cuspiu. Mas o plástico está na água também”, lembra ela, acrescentando que esse lixo impacta toda a cadeia da biodiversidade e todo o ecossistema de Noronha.

Com uma área total de 18,6 km² e população estimada de 3.341, além dos milhares de turistas que recebe diariamente, Fernando de Noronha não tem espaço para ter um aterro sanitário. Assim, todo o lixo produzido ali precisa ser levado de volta para o continente -exceto o vidro, que é triturado até virar areia, usada na construção civil.

Para tentar reduzir o volume de resíduos e a poluição marinha, um decreto de 2018 criou o programa Noronha Plástico Zero, que proíbe a entrada na ilha de alguns tipos de plásticos de uso único. Foram banidas garrafas de bebidas com capacidade inferior a 500 ml; canudos, copos, pratos e talheres plásticos descartáveis; sacolas plásticas; e embalagens e recipientes para alimentos feitos de isopor.

A administração distrital foi procurada para esclarecimentos sobre a gestão de resíduos do arquipélago, mas não respondeu.

No dia 20 de setembro, será realizado o World Cleanup Day (Dia Mundial da Limpeza, em tradução livre), promovido anualmente pela organização Ocean Conservancy, com o objetivo de promover mutirões de limpeza de praias em todo o mundo. Em Noronha, o movimento é organizado pelo Projeito Golfinho Rotador.