BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Um projeto de lei apresentado pelo TCU (Tribunal de Contas da União) e em tramitação na Câmara dos Deputados propõe a criação de uma verba indenizatória que pode turbinar os salários de servidores da corte de contas a valores de até R$ 72,8 mil por mês.
A medida, se aprovada, iria na contramão do debate da reforma administrativa, que tem como um de seus focos o combate a supersalários e foi elencada como uma das prioridades legislativas pelo presidente da Casa, deputado Hugo Motta (Republicanos-PB).
Apesar da contradição, os parlamentares aprovaram a urgência do projeto de lei na última terça-feira (9). A decisão acelera a tramitação da matéria e permite que ela seja votada diretamente no plenário, sem passar pelas comissões.
Um dos que votaram a favor da urgência foi deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), justamente o coordenador do grupo de trabalho da reforma administrativa na Câmara. O GT tem entre suas premissas de trabalho a limitação de privilégios e supersalários.
“Requerimento de urgência não é mérito, é autorização para a possibilidade de ser debatido e apreciado pelo plenário. Ao analisar detalhadamente o projeto, realmente, é um absurdo, em especial nesse momento de rediscussão de todas as verbas de caráter indenizatório dos poderes na reforma administrativa. Se for pautado, votarei contra. É exatamente contra tudo isso que venho lutando”, afirmou Pedro Paulo ao ser procurado pela reportagem.
O texto prevê que funcionários do TCU que ocupam cargos de confiança (isto é, estão em alguma posição de gestão ou chefia dentro do órgão) terão direito a um adicional de até 25% sobre a remuneração bruta mensal. O penduricalho foi batizado de lndenização por Regime Especial de Dedicação Gerencial.
A “indenização” inserida no nome tem razão de ser: ao ter essa classificação, a verba fica fora do teto remuneratório do funcionalismo, hoje em R$ 46,4 mil, e ainda fica livre da cobrança de Imposto de Renda.
De acordo com uma tabela que circula no Congresso e também entre integrantes do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o valor do penduricalho pode chegar a R$ 14,6 mil em 2026, considerando que ele é calculado não só sobre o vencimento básico dos servidores, mas também sobre outras gratificações que já servem para turbinar os ganhos dos funcionários do órgão de controle.
Com a soma de todas essas verbas, a remuneração poderia chegar a R$ 72,8 mil para os servidores no topo da carreira.
Como o projeto ainda prevê reajustes anuais nos vencimentos básicos e nas gratificações, o valor máximo alcançaria R$ 82,2 mil em 1º de janeiro de 2029.
Nos bastidores, servidores reconhecem que a verba indenizatória foi proposta para tentar minimizar uma distorção que existe hoje dentro do serviço público.
Por causa das gratificações, os funcionários do TCU estão alcançando o teto remuneratório sem precisar ocupar cargos de confiança, o que tem tirado o atrativo das posições de coordenação ou chefia. Ao assumi-las, é como se o servidor aceitasse arcar com mais responsabilidades sem ganhar nenhum centavo a mais por isso, já que o valor do cargo fica retido pelo abate-teto.
O penduricalho indenizatório seria uma forma de compensar isso. No entanto, mesmo dentro do órgão de controle há grupos que criticam a proposta, dado que o TCU tem como atribuição zelar pelas contas públicas e, com frequência, emite alertas ao Executivo devido à adoção de condutas incompatíveis com a responsabilidade fiscal.
“A ausência de incentivos reais tem gerado desinteresse crescente na ocupação de funções comissionadas, sobretudo por servidores experientes, detentores de importante capital intelectual acumulado ao longo da carreira. Dentro desse contexto, a criação da IREDG busca reverter esse cenário, estimulando a ocupação de funções de confiança com servidores qualificados e assegurando a continuidade da excelência institucional”, disse o TCU na exposição de motivos do projeto.
Para defender a criação da verba, o tribunal ainda elencou precedentes em outros órgãos da administração pública, como no Judiciário e no Ministério Público conhecidos pelo rol de penduricalhos extrateto. A corte de contas ainda citou verbas semelhantes criadas pelo Senado Federal e pela Polícia Federal.
No caso do Senado, o presidente Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) aprovou, em fevereiro, licença compensatória para servidores por acúmulo de função. Se a licença não for usufruída, dará direito a verbas indenizatórias.
Procurado pela reportagem, o TCU disse que a verba sairá do orçamento disponível do órgão, por meio de economia de recursos e adequação ao arcabouço fiscal, e negou que o projeto de lei autorize o pagamento de remuneração acima do teto.
A declaração, feita por meio da assessoria de imprensa, contradiz a própria exposição de motivos do projeto, na qual o tribunal se refere à verba como um instrumento indenizatório (que, de acordo com a legislação, não se sujeita ao teto) e defende sua criação “sobretudo quando não há possibilidade de remuneração adicional pelas vias ordinárias”.
A reportagem insistiu no questionamento à assessoria do TCU, apontando que a verba será indenizatória, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.
Além do penduricalho, o projeto traz também uma gratificação de desempenho e alinhamento estratégico, que pagará entre 40% e 100% do vencimento básico em caso de boa performance do servidor. Hoje, funcionários do TCU já têm direito a uma gratificação de desempenho, mas com limite menor, de até 80%.
O projeto altera ainda regras para a gratificação de controle externo, outro benefício que já existe. Hoje, o valor varia de acordo com o cargo: servidores em início de carreira de nível auxiliar ganham benefício de 24% sobre o vencimento básico, enquanto os de cargos de chefia, já no fim da carreira, podem receber cerca de 100%. A proposta é uniformizar a gratificação em 50% para todos.
Desde o ano passado, os servidores do TCU também podem receber acréscimo salarial de até 30% por especialização e qualificação. Profissionais que completarem cursos de pós-graduação, incluindo mestrado e doutorado, têm direito ao benefício.