SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma camada de tinta sobre a tela se funde à película acetinada que cobre todo o quadro. Do atrito entre óleo e pigmento surgem rugas e retrações, acidentes de superfície possíveis por meio da combinação de materiais empregada por Rafael Carneiro. Entre figurações e abstrações algumas lembrando células ou fragmentos do corpo vistos ao microscópio, o artista tensiona os limites da pintura e explora novas possibilidades expressivas.
Em cartaz na Galeria Luciana Brito, a exposição marca um ponto de virada para Carneiro, de 40 anos, que pela primeira vez apresenta apenas trabalhos criados com tintas, pigmentos e resinas produzidos pela Joules & Joules, fábrica que fundou em 2020 ao lado do também artista Bruno Dunley. Segundo ele, o que está nas telas é resultado direto das pesquisas desenvolvidas na fábrica.
A Joules & Joules surgiu na pandemia, quando os dois artistas perceberam a carência de materiais profissionais de qualidade no Brasil. O empreendimento, que hoje fornece tintas e pigmentos para nomes como Nuno Ramos, Márcia Falcão e Rodrigo Cass, também abastece o ateliê de Carneiro.
Segundo o artista, enquanto eles desenvolviam soluções para outros pintores, essas descobertas alimentavam seu próprio trabalho. A resina acetinada presente em várias pinturas, por exemplo, é um óleo envelhecido criado para acelerar a secagem da tinta.
Nas telas, o artista deposita pigmentos, pinceladas e camadas de gel sobre fundos que ora escondem, ora mostram composições anteriores. O resultado são campos cromáticos ambíguos que flutuam entre a transparência e a opacidade. “Às vezes, uma pintura começa figurativa e termina abstrata, ou o contrário. O que me interessa é a ambiguidade. Não entender direito qual é a natureza do gesto ou do material”, diz.
O processo hoje se dá majoritariamente com as telas deitadas sobre a mesa, numa espécie de pintura horizontal. “Essa liberdade vem do desenho, que sempre esteve na minha prática. Agora, com esses materiais, consigo trazer para a pintura a vitalidade e o improviso do traço”, ele conta.
A ideia de colapso atravessa o conjunto de obras. Muitas parecem à beira da destruição, sustentadas por um equilíbrio instável entre cor, forma e textura. “Muitas vezes, é preciso destruir uma camada para que surja uma nova possibilidade”, afirma ele.
Nascido em Ibiúna, interior de São Paulo, Carneiro começou a pintar aos 17 anos, quando ingressou na Universidade de São Paulo. Inicialmente interessado em quadrinhos, encontrou na pintura contemporânea, sob a orientação de professores como Carlos Fajardo, o espaço para uma pesquisa que hoje alia invenção plástica, experimentação material e circulação social de recursos artísticos.
“Hoje me sinto com um vocabulário de pintura muito ampliado. É como se cada material desenvolvido fosse uma nova ferramenta para pensar a prática”, diz ele, contando que, se a fábrica surgiu por necessidade financeira e curiosidade técnica, agora é também fonte de soberania produtiva e de pesquisa estética.
HOMEM-NATAL E OUTRAS HISTÓRIAS, DE RAFAEL CARNEIRO
– Quando De 23/8 a 4/10. De terça a sexta, das 10h às 19h; sábados das 11h às 17h.
– Onde Galeria Luciana Brito -av. Nove de Julho, 5162, São Paulo.
– Preço Grátis