SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A primeira Assembleia-Geral da ONU desde que Donald Trump voltou à Presidência dos Estados Unidos começará no próximo dia 23, na sede das Nações Unidas, em Nova York, num evento em que são esperadas manifestações sobre temas considerados espinhosos, além de encontros, ainda que breves, de líderes com posicionamentos antagônicos ou adversários no tabuleiro geopolítico global.
Será a primeira vez em que Trump e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estarão no mesmo lugar desde que o republicano passou a atacar o governo brasileiro. Tradicionalmente, o Brasil abre a sequência de discursos de chefes de Estado e de governo, e o líder americano é o segundo a se manifestar.
Outro ponto de tensão está relacionado à guerra entre Israel e Hamas. Em resposta ao conflito que completará dois anos em 7 de outubro, vários países, entre os quais Portugal, França, Reino Unido e Canadá, prometeram reconhecer, durante a Assembleia, o Estado da Palestina, a despeito de críticas de Washington e de Israel, segundo os quais tais manifestações premiariam as ações do grupo terrorista.
Sob a expectativa de atritos, o governo dos EUA vem explorando os vistos como arma política contra rivais e desafetos -como a Autoridade Palestina, o Irã e o Brasil.
Segundo o Itamaraty, ainda não foram emitidos documentos para toda a delegação brasileira. O Ministério das Relações Exteriores pontuou que, por causa do tratado de 1947 que rege as obrigações dos EUA como país-sede da ONU, Washington é obrigado a conceder vistos para todas as comissões, e não há por que esperar que não o faça. Leia o que se sabe a seguir.
O que é a Assembleia-Geral?
É um dos seis órgãos da ONU e funciona como um Congresso do mundo. Cada Estado-membro -são 193- tem direito a um voto, mas seu poder de decisão é bastante limitado, já que a maioria das questões importantes é despachada no Conselho de Segurança.
O que ela faz, então?
Uma de suas principais funções é aprovar o orçamento anual da ONU. Esse é um dos poucos tópicos no qual a Assembleia tem poder decisório e não depende de outros órgãos. Também cabe a ela aprovar a indicação do secretário-geral e dos países que vão ocupar as vagas rotativas do Conselho de Segurança. Os nomes, no entanto, costumam ser negociados com antecedência, e o plenário da Assembleia apenas os ratifica.
O que faz o Conselho de Segurança?
Sua função é decidir sobre questões de guerra e paz no mundo, como a imposição de sanções contra países e as autorizações de intervenções. O órgão é formado por 15 membros, sendo 10 rotativos e 5 fixos, com direito a veto: EUA, França, Reino Unido, Rússia e China. Diferentemente da Assembleia, o Conselho tem poderes para fazer resoluções vinculantes, que não podem ser ignoradas pelos Estados.
Quais são os principais temas do encontro neste ano?
O tema oficial da 80ª reunião, em 2025, definido pela Assembleia-Geral, chama-se “Melhor Juntos: 80 Anos e mais para paz, desenvolvimento e direitos humanos”, em celebração das oito décadas de existência da organização. Além do conflito em Gaza e do reconhecimento formal do Estado da Palestina, os líderes devem se manifestar sobre a Guerra da Ucrânia, as mudanças climáticas e a defesa da democracia.
Como funciona o tratado de 1947 que rege as obrigações dos EUA como país-sede da ONU?
O tratado, que tem força de lei nos EUA por ter sido aprovado também pelo Congresso americano, formaliza Nova York como cidade-sede das Nações Unidas, concede imunidade diplomática às instalações e pessoal da ONU, e proíbe Washington de impedir ou obstar a entrada de membros das delegações de cada país.
Ainda assim, para países inimigos com os quais os EUA não têm relações, como Irã, Venezuela e Coreia do Norte, o governo americano impõe certas restrições. Os enviados de Teerã e Pyongyang, por exemplo, não têm permissão de se afastar mais de 40 quilômetros da ilha de Manhattan.
Qual é a autonomia da ONU em solo americano?
Pelo Tratado da Sede da ONU, firmado em 1947, as Nações Unidas receberam imunidades que garantem sua autonomia em território americano. Isso inclui proteção contra buscas ou expropriações, liberdade de comunicação sem censura e a obrigação de os EUA permitirem a entrada e saída de representantes, funcionários e convidados oficiais da organização.
Diplomatas e servidores da ONU passaram a ter imunidades semelhantes às de embaixadas, e a polícia americana só pode entrar na sede com consentimento do secretário-geral, salvo em emergências. Em essência, o tratado deu às Nações Unidas condições para atuar de forma independente nos EUA.
Qual é o posicionamento de Trump em relação às autoridades palestinas?
Este ano, apesar do acordo, o governo Trump revogou a permissão de membros da Autoridade Palestina e da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) para entrar no país, impossibilitando, dessa forma, sua presença na Assembleia-Geral -teve o visto cassado até mesmo o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, líder do governo que controla parcialmente a Cisjordânia ocupada a partir de Ramallah.
Especialistas divergem sobre a legalidade da proibição, uma vez que a Palestina não é um membro oficial da ONU, e sim um Estado observador. A medida não afetou os diplomatas que trabalham na missão permanente da Palestina em Nova York, mas foi vista como uma tentativa do governo Trump de demonstrar repúdio à decisão de países aliados como Canadá, Reino Unido, França e Austrália de reconhecer um Estado palestino na Assembleia-Geral na próxima semana.
A Assembleia-Geral já ocorreu fora dos EUA?
Em parte, sim. Em 1988, os EUA negaram o visto a Yasser Arafat, que à época presidia a Autoridade Palestina, impedindo-o de falar na sede da ONU. Diante disso, a organização fez uma sessão especial da Assembleia-Geral no Palácio das Nações, em Genebra, na Suíça, onde o líder conseguiu fazer seu discurso.
Esse fato, contudo, foi isolado. Neste ano, a ONU desmentiu rumores que sugeriam uma possível mudança da Assembleia-Geral para Genebra.