SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A Justiça de São Paulo homologou os Acordos de Não Persecução Penal (ANPP) dos sócios-proprietários da Fast Shop, Milton Kazuyuki Kakumoto e Júlio Atsushi Kakumoto, e do diretor da rede, Mario Otávio Gomes, por envolvimento em um dos maiores esquemas de corrupção tributária ligado a auditores da Sefaz-SP (Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo).
Juntos, eles pagarão R$ 100 milhões como prestação pecuniária penal. Como os três reconheceram participação nos crimes, eles deixarão de responder a um processo criminal pelo pagamento de propina ao auditor Artur Gomes da Silva Neto, apontado como cérebro do esquema.
Procurada pela reportagem, a defesa de Silva Neto não respondeu até a publicação desse texto.
Pelas regras estabelecidas junto ao MP-SP (Ministério Público de São Paulo), órgão responsável pelas investigações da Operação Ícaro, os três começam a pagar a primeira das 15 parcelas do acordo em 10 de outubro. Os valores deverão ser depositados a cada 30 dias.
Milton, que é o fundador da Fast Shop, ficou com a multa mais pesada, de R$ 55 milhões, enquanto Júlio pagará R$ 30 milhões e Gomes, que está afastado de suas funções na rede de varejo, recebeu a ordem de pagamento de R$ 15 milhões.
O acordo foi homologado pela 1ª Vara de Crimes Tributários, Organização Criminosa e Lavagem de Bens e Valores da Capital no último dia 11.
Além dos valores que serão restituídos ao poder público, os donos da Fast Shop se comprometeram a implementar um programa de compliance na companhia e adotar novas práticas empresariais anticorrupção em todas as lojas, centros de distribuição e na sede administrativa.
A companhia deverá instituir, em um ano, um CCO (chief compliance officer) com acesso direto e independente ao conselho de administração, além de criar um comitê de ética e integridade que será responsável por supervisionar o programa anticorrupção.
A Fast Shop passa por um momento de reestruturação da operação pelo país. Na virada do mês, a rede contratou um CEO especialista em gestão de crise e está revendo toda a estrutura de lojas abertas e funcionários contratados.
Segundo a equipe de promotores do Gedec (Grupo de Atuação Especial de Recuperação de Ativos e Repressão aos Crimes de Formação de Cartel e Lavagem de Dinheiro) do MP, a companhia pagou à Smart Tax, empresa de Artur Gomes da Silva Neto, cerca de R$ 422,7 milhões entre dezembro de 2021 e julho de 2025, quando a operação foi deflagrada.
Ao todo, a companhia recebeu R$ 1,5 bilhão em créditos de ICMS autorizados por Neto na Sefaz-SP. Posteriormente, esses créditos foram vendidos a grandes empresas e compensados no pagamento de tributos, segundo o Ministério Público.
Desse total, R$ 553 milhões seriam de créditos que a empresa de fato teria direito de acordo com sua operação no varejo. O outro R$ 1,04 bilhão teria sido inflado pelo auditor Silva Neto -os valores ressarcidos como crédito de ICMS serão auditados pela Sefaz-SP.
O esquema investigado pelo Ministério Público envolve a chamada substituição tributária, uma forma de cobrar de forma concentrada, de um único contribuinte, todos os impostos de uma cadeia inteira de produção.
No caso, o ICMS. A empresa que quita os impostos tem direito a receber uma parte do dinheiro de volta, mas isso pode demorar meses ou até anos. Segundo o Ministério Público, Silva Neto agia para acelerar esse recebimento, além de inflar os valores, em procedimentos que incluíam o pagamento de propina.
O ENVOLVIMENTO DA CÚPULA DA FAST SHOP
Como mostrou a Folha de S.Paulo, no final do mês passado, em seu acordo de não persecução penal o diretor afastado Mario Otávio Gomes esmiuçou o que seria o modus operandi de Artur Gomes da Silva Neto e disse ter seguido ordens internas para negociar as ilegalidades com o auditor.
No acordo, o diretor da varejista afirma que a busca por valores mais altos de ressarcimento de ICMS teria começado após a insatisfação de Milton Kakumoto, presidente da Fast Shop, com os resultados de uma empresa contratada anteriormente.
“Ele queria valores maiores, ao comparar com os que eram obtidos por empresas do mesmo ramo”, diz o testemunho de Gomes formalizado no acordo.
Em outubro de 2020, Julio Kakumoto, então vice-presidente, teria indicado a Smart Tax Consultoria e Auditoria Tributária para o serviço. A empresa, que formalmente pertence à mãe do auditor Silva Neto, teria sido aprovada e contratada por determinação de Milton.