SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Victor Novaes Raimundo, 19 anos, foi questionado na manhã desta segunda-feira (15) pelo ministro do Desenvolvimento Social, Família e Combate à Fome no Brasil, Wellington Dias, sobre “o seu sonho”. O jovem, atendente de uma loja do McDonald’s em São Paulo, respondeu: “Ter minha casa própria, um cantinho meu, um carro, minha moto, minha família”. Dias perguntou: “Trabalhar é o caminho?” Victor concordou. “É o caminho, nunca desistir. Mesmo que seja difícil.”
Por um salário de R$ 1.467, Victor trabalha na lanchonete há um ano, das 15h30 às 23h30, em escala 6×1 -uma folga por semana, com um domingo de descanso por mês. Ele afirma que o McDonald’s proporciona chances de ascensão dentro da empresa.
O jovem é um dos atendidos pelo programa Acredita no Primeiro Passo, do Ministério do Desenvolvimento Social, que oferece cursos profissionalizantes e apoio para quem busca emprego ou quer abrir o próprio negócio.
Na manhã desta segunda, a pasta assinou com o IDV (Instituto para o Desenvolvimento do Varejo), na capital paulista, um termo de adesão ao programa. Grandes redes varejistas associadas poderão acessar os dados de inscritos no CadÚnico (Cadastro Único, que reúne as famílias que participam de programas de assistência social e distribuição de renda, como o Bolsa Família) e oferecer vagas e programas de qualificação. Os termos para o acesso a estes dados ainda serão definidos pelo ministério.
A parceria chega em um momento crítico para o setor varejista, que tem enfrentado apagão de mão de obra, especialmente nas funções mais básicas, de “chão de loja”. Uma pesquisa global feita pela multinacional de consultoria e auditoria PwC, no final do ano passado, apontou que a maior preocupação dos CEOs da indústria de varejo e bens de consumo no Brasil é a falta de mão de obra qualificada.
Em dois dos maiores centros de comércio popular do país, o Brás e o Bom Retiro, em São Paulo, há cerca de 11 mil vagas em aberto, segundo a Alobrás (Associação de Lojistas do Brás) e a CDL-SP (Câmara de Dirigentes Lojistas de São Paulo). “A maioria não quer trabalhar no fim de semana, principalmente os mais jovens, mas este é um período essencial para o varejo”, diz Maurício Stainoff, presidente da CDL-SP.
Foi o IDV quem tomou a iniciativa, há três meses, de procurar o ministério para entender melhor como funciona o programa. “Uma das barreiras para atrair o público do Bolsa Família para essas vagas era o receio dessas pessoas de perder o benefício a partir do momento em que conseguissem um emprego”, afirma Jorge Gonçalves Filho, presidente do IDV.
Mas a nova regra de proteção do programa, que passou a valer em junho deste ano, favorece as contratações, diz ele.
De acordo com Wellington Dias, hoje, mesmo quem trabalha, mas ganha abaixo de US$ 40 (R$ 213) por pessoa da família ao mês e está abaixo da linha da pobreza, continua recebendo o Bolsa Família. Quem recebe entre US$ 40 e US$ 120 (R$ 638) por pessoa da família ganha metade do valor do benefício.
“É uma maneira de garantir o período de transição para o mercado formal, consolidando uma porta de saída do Bolsa Família, em especial para quem está desalentado, achando que não consegue mais uma oportunidade de trabalho”, afirma Gonçalves Filho.
A participação no programa Acredita era feita de maneira pontual por alguns associados do IDV, como o Carrefour Brasil. O grupo, maior varejista do país, aderiu ao programa em 2023. Desde então, contratou cerca de 100 mil beneficiários do CadÚnico.
De acordo com o Carrefour, a meta inicial era contratar 10 mil pessoas em três anos, mas foi superada em mais de dez vezes em apenas dois anos. Os colaboradores passaram a trabalhar nas diferentes bandeiras do grupo -Atacadão, Sam’s Club e Carrefour- em todo o país, em posições como operador de caixa, fiscal de prevenção e repositor.
Além de Carrefour e McDonald’s, já aderiram ao Acredita o Magazine Luiza e a RD Saúde (Raia e Drogasil).
Na opinião de Gonçalves Filho, vários fatores contribuem para a dificuldade de atrair os mais jovens para o varejo. “O MEI cresceu muito, muitos viraram pequenos ou nano empreendedores. Tem o pessoal que está no subemprego, vivendo de bicos, ou trabalhando com aplicativos, sem contrato formal de trabalho”, diz o executivo, lembrando que parte da nova geração também anseia ter “vida de influencer”. “Isso pode durar algum tempo, mas eles tendem a se frustrar, não é para todo mundo.”
Questionado se a baixa remuneração pode ser um dos motivos para os mais jovens estarem rejeitando empregos com carteira assinada, em regime CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), Gonçalves Filho diz que as próprias empresas costumam falhar em comunicar os benefícios do trabalho formal.
“Muita gente pensa: ‘Prefiro ganhar R$ 4.000 no aplicativo, em vez de R$ 3.000 como CLT’. Mas se o seu carro ou a sua moto quebram, você não tem garantia nenhuma. Como CLT, caso você tenha algum problema de saúde, seu período de afastamento remunerado é garantido. Se sai do emprego, tem fundo de garantia. Também tem plano de saúde, férias remuneradas, 13º salário, aposentadoria e acesso ao Sistema S”, afirma o executivo, ressaltando que grandes empresas costumam dar apoio à educação.
Todos esses benefícios, destaca, têm um custo. “Para cada R$ 1 que eu pago para o meu colaborador, custa mais R$ 1 para a empresa. Uma vaga CLT custa pelo menos o dobro do salário para o empregador”, afirma.
Este é um dos argumentos para o IDV defender a flexibilidade dos contratos CLT, especialmente em questões como a discussão da escala 6×1. “O varejista não pode diminuir horas trabalhadas e pagar o mesmo salário”, diz. Mas pode definir uma quantidade de horas semanais trabalhadas por determinada remuneração, e aí fazer um remanejamento da carga horária diária, afirma.