SÃO PAULO, SP E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A cerca de uma semana do início dos discursos de líderes mundiais na Assembleia-Geral da ONU, o governo Donald Trump vem usando vistos para os Estados Unidos, necessários para o comparecimento, como arma política contra rivais e desafetos como a Autoridade Palestina, o Irã e o Brasil.
O encontro anual de chefes de Estado e de governo na ONU começa no próximo dia 23, na sede das Nações Unidas, em Nova York. Em entrevista coletiva nesta segunda-feira (15), o Itamaraty disse que nem todos os membros da delegação brasileira à Assembleia-Geral já receberam seus vistos.
Ao mesmo tempo, o Ministério das Relações Exteriores pontuou que, por causa do tratado de 1947 que rege as obrigações dos EUA como país-sede da ONU, Washington é obrigado a conceder vistos para todas as delegações, e não há por que esperar que não o faça. Caso contrário, cabem ações legais.
Esse tratado, que tem força de lei nos EUA por ter sido aprovado também pelo Congresso americano, formaliza Nova York como cidade-sede das Nações Unidas, concede imunidade diplomática às instalações e pessoal da ONU, e proíbe Washington de impedir ou obstar a entrada de membros das delegações de cada país.
Ainda assim, para países inimigos com os quais os EUA não tem relações, como Irã, Venezuela e Coreia do Norte, o governo americano impõe certas restrições. Os enviados de Teerã e Pyongyang, por exemplo, não têm permissão de se afastar mais de 40 quilômetros da ilha de Manhattan.
Esse ano, apesar do acordo, o governo Trump revogou a permissão de membros da Autoridade Palestina e da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) para entrar no país, impossibilitando, dessa forma, sua presença na Assembleia-Geral teve o visto cassado até mesmo o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, líder do governo que controla parcialmente a Cisjordânia ocupada a partir de Ramallah.
Especialistas divergem sobre a legalidade da proibição, uma vez que a Palestina não é um membro oficial da ONU, e sim um Estado observador. A medida não afetou os diplomatas que trabalham na missão permanente da Palestina em Nova York, mas foi vista como uma tentativa do governo Trump de demonstrar repúdio à decisão de países aliados como Canadá, Reino Unido, França e Austrália de reconhecer um Estado palestino na Assembleia-Geral na próxima semana.
Após o cancelamento de vistos dos palestinos, a imprensa americana relatou que o Departamento de Estado também considera impedir a viagem de membros da delegação do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a Nova York. A medida seria parte da campanha do governo Trump contra o Brasil pelo julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), condenado a 27 anos de prisão pelo STF na última quinta (11) pelo seu envolvimento na trama golpista.
No último dia 5, quando questionado sobre o tema, Trump disse que os EUA estão “muito irritados” com o Brasil e não negou estudar a restrição de vistos da delegação brasileira à ONU.
Segundo o Itamaraty, o Brasil participou de uma reunião do comitê das Nações Unidas de relações com os EUA e afirmou na ocasião que há preocupação com a possibilidade de que Washington não cumpra suas obrigações como país-sede.
Outros governos cujos membros podem ter os vistos cassados antes da Assembleia-Geral incluem Irã, Sudão e Zimbábue. Segundo a Associated Press, o governo Trump estuda proibir os diplomatas iranianos de visitar lojas de departamento em Nova York.
Em nota comunicando a decisão de retirar vistos de palestinos, divulgada no último dia 29, o Departamento de Estado disse que “é do interesse nacional [dos EUA] responsabilizar a Autoridade Palestina e a OLP por não honrar seus compromissos e por minar o processo de paz”, e exigiu que os palestinos abandonem processos que movem contra Israel em órgãos internacionais.
“Antes que a Autoridade Palestina e a OLP possam ser considerados parceiros para a paz, precisam repudiar o terrorismo de maneira consistente incluindo o massacre de 7 de Outubro e encerrar a incitação ao terrorismo no sistema educacional”. Israel afirma que currículos escolares na Cisjordânia incentivam o ódio aos judeus, enquanto ativistas palestinos dizem que a interferência de Tel Aviv no sistema educacional tem o objetivo de apagar a sua história.
“A Autoridade Palestina também precisa encerrar suas tentativas de contornar negociações através de campanhas internacionais de ‘lawfare’, incluindo apelos ao Tribunal Penal Internacional e à Corte Internacional de Justiça, e esforços para alcançar o reconhecimento unilateral de um eventual Estado palestino, medidas que contribuem para a recusa do Hamas em libertar os reféns”, afirmou também a diplomacia americana.
Em meio à crise, alguns políticos europeus chegaram a sugerir a realização de futuras assembleias no escritório das Nações Unidas em Genebra, na Suíça.