SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A cerca de uma semana do início dos discursos de líderes mundiais na Assembleia-Geral da ONU, o governo Donald Trump vem usando vistos para os Estados Unidos, necessários para o comparecimento, como arma política contra rivais e desafetos —como a Autoridade Palestina, o Irã e o Brasil.

O encontro anual de chefes de Estado e de governo na ONU começa no próximo dia 23, na sede das Nações Unidas, em Nova York. Normalmente, até mesmo diplomatas e altos membros do governo de países sem relações diplomáticas com os EUA, como o Irã, Venezuela e Coreia do Norte, recebem vistos temporários para participar das discussões.

Esse ano, entretanto, o governo Trump revogou a permissão de membros da Autoridade Palestina e da Organização para a Libertação da Palestina (OLP) para entrar no país, impossibilitando, dessa forma, sua presença na Assembleia-Geral —teve o visto cassado até mesmo o presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, líder do governo que controla parcialmente a Cisjordânia ocupada a partir de Ramallah.

Após o cancelamento de vistos dos palestinos, a imprensa americana relatou que o Departamento de Estado também considera impedir a viagem de membros da delegação do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a Nova York. A medida seria parte da campanha do governo Trump contra o Brasil pelo julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), condenado a 27 anos de prisão pelo STF na última quinta (11) pelo seu envolvimento na trama golpista.

Ainda não se sabe se eventuais restrições atingiriam ministros, assessores e políticos ou se seriam direcionadas contra o próprio presidente Lula. Em entrevista coletiva nesta segunda (15), o Itamaraty se limitou a dizer que não espera problemas para o acesso de toda a delegação aos EUA.

Outros governos cujos membros podem ter os vistos cassados antes da Assembleia-Geral incluem Irã, Sudão e Zimbábue. Segundo a Associated Press, o governo Trump estuda proibir os diplomatas iranianos de visitar lojas de departamento em Nova York. Funcionários do governo do Irã, assim como os da Coreia do Norte, já enfrentam restrições de movimento nos EUA e não têm permissão de se afastar mais de 40 quilômetros da ilha de Manhattan.

Em nota comunicando a decisão de retirar vistos de palestinos, divulgada no último dia 29, o Departamento de Estado disse que “é do interesse nacional [dos EUA] responsabilizar a Autoridade Palestina e a OLP por não honrar seus compromissos e por minar o processo de paz”, e exigiu que os palestinos abandonem processos que movem contra Israel em órgãos internacionais.

“Antes que a Autoridade Palestina e a OLP possam ser considerados parceiros para a paz, precisam repudiar o terrorismo de maneira consistente —incluindo o massacre de 7 de Outubro— e encerrar a incitação ao terrorismo no sistema educacional”. Israel afirma que currículos escolares na Cisjordânia incentivam o ódio aos judeus, enquanto ativistas palestinos dizem que a interferência de Tel Aviv no sistema educacional tem o objetivo de apagar a sua história.

“A Autoridade Palestina também precisa encerrar suas tentativas de contornar negociações através de campanhas internacionais de ‘lawfare’, incluindo apelos ao Tribunal Penal Internacional e à Corte Internacional de Justiça, e esforços para alcançar o reconhecimento unilateral de um eventual Estado palestino, medidas que contribuem para a recusa do Hamas em libertar os reféns”, afirmou também a diplomacia americana.

A decisão não afetou os diplomatas que trabalham na missão permanente da Palestina, que é um Estado observador não membro da ONU desde 2012 e mantém uma representação em Nova York. Ainda assim, especialistas enxergaram na medida uma tentativa do governo Trump de demonstrar repúdio à decisão de países aliados como Canadá, Reino Unido, França e Austrália de reconhecer um Estado palestino na Assembleia-Geral na próxima semana.

Em meio à crise, alguns políticos europeus chegaram a sugerir a realização de futuras assembleias no escritório das Nações Unidas em Genebra, na Suíça.