SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Uma investigação da Polícia Civil e do Ministério Público de São Paulo sobre fraudes eletrônicas em um esquema de quase R$ 500 milhões chegou a pessoas afetadas por enchentes em 2022 que foram enganadas na busca por uma cesta básica.
A investigação, que chegou por acaso até os moradores do Jardim Pantanal, na zona leste de São Paulo, começou com uma denúncia em Rosana, no interior paulista, a 700 km da capital.
Uma vítima caiu em um golpe que envolvia a realização de tarefas para a obtenção de prêmios e perdeu R$ 33 mil, segundo o Ministério Público. A pessoa faz o pagamento e executa uma tarefa, ganhando um retorno e repetindo a operação. Mas em um determinado momento, essa tarefa dá erro, e o dinheiro é perdido.
Para lavar esse dinheiro, a quadrilha investigada no caso aberto em 2022 usava milhares de contas de laranjas. O esquema movimentou ao menos R$ 480 milhões no período, segundo o promotor de Justiça Guilherme Batalini, que atua na denúncia do caso no foro de Rosana.
“Ainda não temos o valor exato porque a investigação ainda não foi concluída”, diz Batalini. “Chamou muito nossa atenção porque a gente lida com essas fraudes e estelionatos todo dia. E vemos que muitos desses pequenos golpes estão conectados com coisas muito maiores.”
O esquema fraudulento se conecta a vítimas de enchente no Jardim Pantanal, em São Paulo, na obtenção de dados para a abertura de contas de laranjas. Moradores do bairro atingidos por enchentes em 2022 que foram se cadastrar buscavam cestas básicas e apoio financeiro na faixa dos R$ 100. As ofertas, de acordo com o MP, variavam, mas tinham foco na recuperação após o desastre.
Ao chegarem ao local para cadastro, um bar no bairro, cediam dados e uma foto própria exibindo o RG. Era o necessário para que a quadrilha abrisse contas bancárias e passasse a movimentar o dinheiro ilícito, usando fintechs para isso.
O modus operandi da quadrilha, formada por brasileiros e sete chineses, se conecta a uma fintech de um policial civil preso pela Corregedoria no domingo (14). Segundo a investigação, a 2GO Bank, propriedade de Cyllas Salerno Elia Júnior, era uma das fintechs por onde o montante de quase meio bilhão de reais foi movimentado ao longo dos anos.
O caso foi revelado pelo Fantástico, da TV Globo e confirmado pela Folha. A defesa do policial civil afirmou ao programa que as fraudes ocorreram no banco de origem, não na fintech.
Preso em fevereiro em outra operação, que apurava a lavagem de dinheiro para o PCC (Primeiro Comando da Capital), ele estava trabalhando em funções administrativas, segundo a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo. De acordo com Batalini, a apuração da Corregedoria corre em paralelo à investigação do caso de fraudes.
Além de integrantes brasileiros, cinco chineses já foram presos e dois estão foragidos. A sede do servidor onde estavam algumas contas, segundo o promotor, estavam na Turquia, país em que há mais dificuldades de rastrear atividade criminosa virtual. A ação do MP-SP pede a condenação da quadrilha por estelionato, organização criminosa e lavagem de dinheiro.
As vítimas de enchentes que foram enganadas na operação chegaram a ser denunciadas, segundo Batalini, porque os indícios apontavam que elas vendiam os dados para a abertura das contas fraudulentas.
“Mas no dia em que foi deflagrada a operação e a polícia chegou lá, vimos que, na verdade, essas pessoas eram vítimas.”
A investigação seguiu o dinheiro das transações por meio das quebras de sigilo bancário. A partir da denúncia da vítima de Rosana que perdeu R$ 33 mil, a quebra de sigilo do titular da conta que recebeu a transferência, que era uma pessoa do Jardim Pantanal. Mas ao quebrar o sigilo bancário dessa pessoa, explicou o promotor, os agentes chegaram a contas maiores e às fintechs.
“As pessoas foram usadas como laranjas sem saber”, diz ele. “Vamos pedir a absolvição sumária.”