BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – O governo de Javier Milei tentou incentivar que os argentinos gastassem seus dólares guardados no colchão e os colocassem para circular no sistema, mesmo sem declarar a origem do dinheiro; os argentinos, no entanto, compraram a maior quantidade de dólares para um mês desde 2019.
Os dados do BCRA (Banco Central da República Argentina) apontam para compras de US$ 3,41 bilhões em julho, 40% acima do mês anterior e o maior patamar mensal desde que Milei retirou a restrição para pessoas físicas comprarem dólar, em abril.
Também é o maior patamar em seis anos, quando o governo de Mauricio Macri havia restringido a compra da moeda, reinstalando o chamado “cepo” cambial.
Em julho, 1,3 milhão de pessoas físicas compraram dólares, apesar de o preço da moeda ter subido 13,8% ante o mês anterior. No mesmo período, cerca de 576 mil pessoas venderam moeda estrangeira, com o total vendido de US$ 367 milhões, uma queda de 7,35% em relação ao mês anterior.
Quando consideradas as compras líquidas de dólares do setor privado, as saídas totais de divisas atingem US$ 5,43 bilhões. Desde 14 de abril, quando as restrições à compra de dólares para pessoas físicas foram suspensas, até julho, as compras de moeda estrangeira ultrapassaram US$ 13 bilhões.
Essa alta demanda foi, em parte, suprida por exportações agrícolas, mas essa opção se reduz significativamente no terceiro trimestre.
Há cinco meses, foi adotado um sistema de flutuação para o dólar entre bandas que têm limites com correção mensal de 1% o teto, atualmente, é de cerca de 1.471 pesos.
A discussão sobre as ferramentas que o governo tem lançado mão para segurar o preço do dólar terem um alto custo e não estarem surtindo efeito tem crescido na Argentina desde fevereiro, quando a economia passou a dar sinais de desaceleração.
Irredutível, o ministro da Economia, Luis Caputo, chegou a ironizar há dois meses as críticas sobre o atraso cambial. “Se está barato, compre [dólares], campeão, não perca a oportunidade”, disse em uma entrevista a um canal de streaming.
“Há uma coisa muito óbvia: o dólar flutua. Se você tem pesos e a taxa de câmbio flutua, e você sabe que é muito barato, compre”, disse ele a uma plateia de 700 executivos.
“O dólar flutua”, gritou Milei em uma entrevista, rebatendo críticos que apontavam que o governo estava intervindo no câmbio e criando um meme que foi difundido por apoiadores. No último dia 2 de setembro, o Tesouro confirmou que iria intervir no dólar, mesmo que a moeda não ultrapassasse as bandas. Milei também chegou a prever que a moeda ficaria mais próxima dos 1.000 pesos.
No último dia 7 de setembro, o governo recebeu um duro golpe ao perder por quase 14 pontos percentuais as eleições legislativas de Buenos Aires. Nos dias seguintes, o câmbio voltou a escalar, atingindo na sexta-feira (12) 1.467 pesos argentinos, pelo câmbio varejista de referência no BCRA ou seja, apenas 4 pesos abaixo do teto da banda.
Segundo analistas, o governo deveria ter agido antes, quando a receita das exportações de setores promissores, como energia e mineração, estava mais evidente. Agora, a opção pelo aumento de juros pode esfriar ainda mais a atividade econômica.
O governo deve tentar evitar grandes sobressaltos no câmbio e seus efeitos sobre a inflação até as eleições legislativas nacionais, em 26 de outubro. Para depois dessa data, o mercado já aposta no fim do sistema de bandas de flutuação e em uma desvalorização do peso.
Para a consultoria 1816, “a política econômica tão focada no eleitoral não é grátis, já vinha equivocada e nos surpreenderia caso não houvesse uma queda do PIB no terceiro trimestre. Nos surpreenderia se não houvesse uma mudança tanto na política cambiária quanto na monetária”.
A PxQ, com um informe chamado “Da livre flutuação ao naufrágio”, ressalta 45% dos dólares comprados desde o fim do “cepo” ficaram no colchão, outra parte foi usada para pagar cartão de crédito, investimentos e compra no mercado oficial para revenda no mercado financeiro.
A CP Consultoria aponta que desde antes das eleições o governo priorizou o controle da inflação e a economia chega a outubro em queda, com redução de salários e crédito escasso. Comparando com as três últimas legislativas de metade de mandato (2013, 2017 e 2021), a atividade econômica estava em crescimento e nesta, a queda acumulada é de 0,8%; o salário real estava em crescimento antes e em queda agora, de 4,2% acumulado; o mesmo acontece com as aposentadorias.
Na sexta-feira (12), Caputo disse que o governo iria suavizar o aperto monetário, dando uma folga nos juros para que o consumo se recupere, mesmo com algum risco sobre o dólar e a inflação.