BRASÍLIA, DF (UOL/FOLHAPRESS) – Enquanto o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) era julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por tentativa de golpe de Estado, o ministro Alexandre de Moraes mandou soltar a primeira fugitiva dos ataques de 8 de Janeiro que foi deportada dos Estados Unidos para o Brasil por imigração ilegal. A decisão é de 3 de setembro.
A garçonete autônoma Cristiane Silva, de 33 anos, chegou à sua casa, em Balneário Camboriú (SC) no último dia 6, após mais de um ano da fuga do Brasil, em 2024. O período incluiu uma estadia na Argentina em 2024 e, depois, 228 dias presa pela Polícia de Imigração e Alfândega (ICE) dos EUA e pelo sistema penitenciário do Ceará, no Brasil. Os americanos a deportaram em maio.
Cristiane não foi condenada por golpe de Estado, mas pegou uma pena de um ano de prisão com restrição de direitos por incitação ao crime e associação criminosa. Ela foi detida no quartel general do Exército em 9 de janeiro de 2023, um dia depois do quebra-quebra na Praça dos Três Poderes. Em sua defesa, a mulher disse que não participou dos protestos, que não quebrou nada e que estava em Brasília para “passear e conhecer a capital”.
Por meio de familiares, ela disse ao UOL nesta semana que não gostaria de conceder entrevistas. Mas, em abril, quando ainda estava detida nos EUA, Cristiane negou os crimes pelos quais foi condenada. Ela também havia dito que se arrependia de ter ido com os militantes bolsonaristas a Brasília em um ônibus que saiu de SC com destino à capital.
“Eu me arrependo, sim, porque eu fui lá para conhecer e acabei… estou sendo injustiçada por algo que eu nem cometi”, disse.
MINISTRO ENDURECEU PENA DE GARÇONETE
Cristiane quebrou sua tornozeleira eletrônica em 26 abril de 2024, 12 dias após o UOL revelar que dezenas de militantes bolsonaristas estavam fazendo o mesmo e fugindo para a Argentina – mesmo destino escolhido por ela.
Em novembro do ano passado, a mulher migrou para os EUA, onde foi detida por imigração ilegal em janeiro, um dia depois da posse do presidente Donald Trump. Em fevereiro de 2025, enquanto estava presa pelos americanos, o STF a condenou a um ano de prisão.
Cristiane foi deportada em maio para o Brasil. Ela viajou com algemas prendendo os braços à barriga, e sem poder usar o banheiro no voo, segundo relatou sua advogada em audiência de custódia quando chegou a Fortaleza. Apesar de ter sido condenada a uma pena em regime mais brando, o ministro entendeu que, como ela fugiu, houve “desprezo pela Justiça”, e ordenou que o Estado de Santa Catarina a colocasse em uma colônia penal.
No entanto, a Secretaria de Administração Penitenciária e a Justiça Estadual informaram que não haveria vagas nas colônias penais, mas poderiam ser oferecidas tornozeleiras eletrônicas a Cristiane. A Procuradoria Geral da República entendeu que era o caso de Cristiane cumprir pena do modo original como foi condenada.
“A inexistência de vagas em estabelecimento prisional compatível com o regime semiaberto é circunstância que impossibilita o cumprimento da pena na forma fixada”, afirma parecer da Procuradoria Geral da República.
O ministro Alexandre de Moraes concordou, mas disse que, se a condições, forem descumpridas, ela pode ser presa em regime fechado de novo. “Desse modo, [estão] presentes as hipóteses autorizadoras do restabelecimento da pena restritiva imposta à sentenciada, ressaltando que havendo descumprimento injustificado da pena substitutiva imposta, a pena restritiva de direitos será convertida em privativa de liberdade”, afirmou o magistrado.
A PENA DE CRISTIANE
Fica proibida de sair de Balneário Camboriú (SC) por um ano, ou seja, até maio de 2026. Este tempo é calculado descontando-se apenas o tempo em que ficou presa em Fortaleza (CE);
Prestação de trabalho comunitário. São 225 horas e deve ser reduzido conforme o em que ela ficou detida em Fortaleza (CE);
Curso presencial de democracia. Deve concluir o estudo de “Democracia, Estado de Direito e Golpe de Estado” no Judiciário de sua cidade;
Redes sociais. Está proibida de utilização de redes sociais até maio de 2026;
Viagens. Está com passaportes suspenso;
Armas. Perdeu de eventuais registros de armas de fogo;
Multa individual. Pagará multa de R$ 13 mil, ou dez salários mínimos à época dos ataques aos Três Poderes;
Multa coletiva. Pagará multa solidária de R$ 5 milhões, mas que só será cobrada quando isso for dividido entre os mais de 400 condenados pelos ataques, algo estimado por alguns em R$ 12 mil por condenado.
Parte dessas punições não foi aplicada a réus como Cristiane, presos no QG do Exército, porque eles fizeram um acordo de não-persecução penal com o Ministério Público, no qual eles confessavam os crimes. Cristiane não aceitou o acordo. Em abril, ela afirmou que não assinou a proposta da PGR porque entendia que não cometeu crime algum.
O pedido para a soltura de Cristiane foi feito por sua advogada, Tatiéli Chagas, assim que ela pousou no Brasil, em maio. Em junho, quando Moraes endureceu o regime de prisão da garçonete, ela protestou. “O que esperávamos era a liberdade, até porque é plenamente cabível e não vislumbraria outra alternativa”, afirmou a defensora à reportagem à época.
Há cerca de 150 fugitivos dos ataques de 8 de Janeiro na Argentina. Lá, ao menos cinco estão presos pelas forças de segurança argentinas. Outros fugiram pelas Américas. O UOL apurou que eles estão em países como Chile, México e regiões da América Central. Nos EUA, duas mulheres permanecem detidas na Polícia de Imigração de Alfândega (ICE), outras duas já foram deportadas: Cristiane e Rosana Maciel.